Crítica | Aftersun – Retrato íntimo e comovente de um relacionamento entre pai e filha

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Logo de cara Aftersun estabelece uma profunda relação de cumplicidade com o público. O drama de estreia de Charlotte Wells avisa com honestidade: você vai passar por uma jornada dura, você vai chorar pelo caminho, mas vai sair daqui mais forte. E é exatamente isso que a premiada produção – que chega ao Brasil por uma parceria entre a O2 Filmes e a MUBI – se compromete a fazer. Porém, a trajetória sensorial é imensa. Ela parte seu coração e o reconstrói dos cacos como poucos filmes ousam fazer.

No entanto, apesar de ser um relato sobre sentir saudade, de alguém ou de algum tempo no passado, a narrativa é transbordada de amor e afeto ao mergulhar nas lembranças mais doces de uma menina com seu pai durante as férias de verão que marcaram sua infância. O sentimento de melancolia é predominante, quase como aquela sensação agridoce que fica depois que um passeio muito desejado chega o fim, depois que as férias acabam e a gente precisa voltar pra casa. É dentro dessa montanha-russa de sensações que Wells constrói sua trama e seus personagens simples, humanos e eficazes.

A trama e o elenco

De fato, não há muita história para ser desdobrada em Aftersun e sua maior força está mesmo em como mexe com as nossas emoções através de simples detalhes e frases de uma genuína relação paterna. A premissa é mostrar alguns dias da vida de Sophie (Francesca Corio), de 11 anos, com seu amoroso pai Calum (interpretado por Paul Mescal de Normal People). Situado em algum momento dos anos 90, eles ficam em um resort turco, sendo descontraídos e aproveitando a quantidade certa de diversão brega nas férias. Porém, a narrativa se vê imersa nas lembranças dessa data se contrapondo ao presente, com Sophie já adulta e recordando os raros momentos junto com seu pai.

Entre lembranças alteradas pelo excesso de saudade e afeto e vídeos de ambos curtindo o verão, a jovem busca compreender as razões pelas quais seu pai não está mais ao seu lado (provavelmente morto?). Uma construção lenta para um clímax soberbo e arrebatador, que facilmente faz nossas lágrimas correr pelo rosto. Ao mesmo tempo em que praticamente nada acontece, tudo verdadeiramente importa.

Calum é, ao mesmo tempo, amoroso e ressentido, compassivo e zangado, carinhoso e esquisito (da mesma forma que o pai de todo mundo é um pouco esquisito), e um sujeito que realmente gosta de passar o tempo com sua única filha. Mas há uma tristeza e sentimento de culpa evidentes em seu olhar, ressaltados pela impecável performance de Mescal, que nos permite perceber que cedo ou tarde a calmaria dará lugar à depressão. Essa antecipação do caos é esmagadora e deve despertar gatilhos em grande parte do público com daddy issues. A química entre Mescal e sua co-estrela mais jovem ocorre sem esforço algum, Francesca Corio nem parece estar atuando de tão natural. Sem dúvida, é um filme que impressiona apenas com a simetria de seus dois protagonistas.

A direção

A cineasta escocesa Charlotte Wells, que escreveu e dirige Aftersun, faz sua estreia em um longa-metragem e tece memórias, vídeos caseiros e sonhos de forma bastante singular. Acontece que uma Sophie mais velha está se lembrando desses momentos importantes – e últimos – com o pai quando adulta. Wells faz com que a interação entre essas lembranças doces e sua montagem da realidade emocional de seu pai seja incrivelmente vívida, culminando em um desfecho catatônico e poderosamente triste depois de uma cena belíssima embalada pela canção “Under Pressure”. A sensibilidade da direção é absurda.

O drama, por sua vez, flui como leveza, como uma memória lembrada com carinho que foi repetida infinitamente, como se estivesse tentando encontrar um detalhe importante que pudesse explicar o que aconteceu ali. O ritmo transparente da direção de Wells e a direção de fotografia opaca e quente resgatam o melhor de seus atores e da ambientação ardente e tropical. Os momentos de afeto entre eles são calorosos e os mais “sombrios” duram tempo suficiente para nos deixar desconfortáveis na poltrona. É realmente difícil não se conectar com a história e correlacioná-la com a nossa própria infância.

Veredito

Doce e tristonho, melancólico e saudosista, Aftersun é daqueles filmes sensoriais que atravessam a tela e provocam um turbilhão de sensações dentro de nós. Um feito e tanto para uma diretora estreante que, sem dúvida, entrega uma história tão honesta, íntima e comovente que perdura muito depois dos créditos finais.

No entanto, a trama é monótona e não espere muitas respostas, o filme deixa em aberto grande parte de seus conflitos e nos permite preencher esses buracos vazios com as nossas próprias memórias da infância e da relação com nossos pais. Você vai se emocionar de forma crua e sincera, ainda que dolorosamente difícil de suportar. Aftersun é uma obra de arte rara e especial que, assim como um dia quente de sol, deixa seu conforto mesmo após escurecer.

NOTA: 9/10

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