Crítica | Doutor Estranho no Multiverso da Loucura – Um verdadeiro horror de filme

Talvez o dia da tão temida conversa chegou. Com mais de 20 produções, séries para streaming, centenas de personagens e quase 15 anos de monopólio dos filmes de super-heróis nos cinemas, não estaria o Marvel Studios perdido em seu próprio personagem? Quer dizer, será que o gigante do gênero está mesmo entregando qualidade, empenho e o melhor que pode fazer? Ou apenas entrou no piloto automático? Afinal, fãs vão ao cinema e vão se empolgar com tudo apresentado, não é mesmo? Mas experimenta assistir um desses mega eventos (como Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa) em casa e observa se a coletividade e o momento da emoção não acabam por ofuscar os inúmeros defeitos dessas obras.E com tanto acontecendo ao mesmo tempo sem sabermos para onde olhar, o ápice dessa confusão se estabelece no recente Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, segundo filme solo do personagem e uma sequência direta para os eventos da série WandaVision.

bra essa que estava prometendo organizar as narrativas e estabelecer terreno para o futuro do MCU, mas que, na realidade, torna tudo ainda mais confuso e caótico. Um filme de passagem, sem começo, sem meio e, consequentemente, sem final. Se antes explorar o Multiverso em Loki e Sem Volta Para Casa já havia deixado perguntas sem respostas, agora, as fronteiras para o absurdo estão abertas, mas será mesmo que o estúdio consegue domar tanta maluquice?

A trama e o elenco

Em contraponto ao que sua presença no Universo Cinematográfico da Marvel se tornou, Doutor Estranho/Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um personagem riquíssimo em camadas. Assim como Tony Stark, seu ego inflado e arrogância compõem um homem que descobre possuir um bom coração e senso de justiça pelo caminho. Um herói que não nasceu pronto e que quebra o estereótipo de ser “bonzinho” o tempo todo. Muitas das suas atitudes e decisões são contestáveis, especialmente por ter a habilidade de dar uma espiadinha no futuro e sempre pensar no “bem maior”.

Desde sua introdução em 2016 e sendo parte crucial para que a equipe de Vingadores pudesse derrotar Thanos, o herói parece ter entrado no modo automático, perdendo parte do seu carisma pelo caminho e se afastando de ser o grande chamariz de suas próprias histórias, uma vez que agora o protagonista está nas mãos das escandalosas participações especiais.

Em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, como o título sugere, a brincadeira é dar um passeio pelas possibilidades infinitas e por outros mundos, ou seja, uma justificativa excelente para a Disney introduzir os demais estúdios dentro desse universo que estava indo muito bem sozinho. Os heróis que estavam sob domínio da Fox ou da Sony agora coexistem, mas fazem parte de OUTRO universo.

É genial essa desculpa? Sim, totalmente cabível e funciona, expandindo o multiverso Marvel para além de 2008, para o comecinho dos anos 2000, já que os X-Men nasceram ali. Agora, além de revisitar franquias ruins (e detestadas pelo público, mas que agora são queridinhas por pura nostalgia), mais alguma coisa funciona nesse filme? Certamente não – com exceção de uma maravilhosa cena de luta com arremesso de notas musicais. Isso sim foi singular.

O protagonista vive normalmente após os eventos de Sem Volta Para Casa – filme esse praticamente ignorado e que não serviu de nada para estabelecer essa “origem” do multiverso, mas Ok – e seu maior conflito é lidar com o fato de que sua amada, Christine (por incrível que pareça Rachel McAdams possui bastante destaque agora) escolheu se casar com outro. Conformado e com outros problemas para lidar, Stephen conhece a jovem America Chavez (Xochitl Gomez é fofa e tem um futuro promissor, sem dúvida), que possui o poder de viajar entre universos (conveniente né?) e descobre que Wanda Maximoff, agora a temida e poderosíssima Feiticeira Escarlate, ainda lamenta a perda dos filhos após os eventos de WandaVision e decide o que? Isso mesmo, esmagar tudo e todos pelo caminho até encontrar suas crianças em outro universo. Agora vilã estereotipada e megalomaníaca, Elizabeth Olsen rouba o filme para si e proporciona os momentos mais marcantes. De fato, é seu ápice desde que foi introduzida em A Era de Ultron.

Porém, ao mesmo tempo que podemos ver uma personagem absurdamente poderosa nível dos quadrinhos (algo que os fãs sempre desejaram), em uma equipe formada pela maioria masculina, mais uma vez a Marvel “enlouquece” suas mulheres e as descarta no fim das contas. Mais uma Vingadora cedida ao fim trágico, isso não pode ser coincidência. A morte injusta da Viúva Negra ainda cheira mal no túmulo.

Mas tudo bem, fazer o quê? Ao menos a dualidade de Wanda e sua sede por poder, já que o livro das trevas Darkhold a consumiu por completa, faz com que essa aventura tenha uma vilã/bruxa/feiticeira/mãe protetora realmente imparável, temida e cruel. A melhor que o MCU já ousou ter, mesmo que seu objetivo seja superficial diante de tudo que se propõe a fazer e o rastro de sangue que deixa pelo caminho, mérito de Sam Raimi que, aliás, traz elementos de horror para a Marvel, finalmente.

Se Wanda é movida pelo amor que possui por seus filhos, criados por ela mesma com magia, Strange é movido pelo desejo de proteger a jovem Chavez e, óbvio, manter o multiverso em ordem. Ou seja, o motor que faz o filme se desenvolver é o amor, tema bastante presente nas obras de Raimi – como na trilogia do Homem-Aranha de Tobey Maguire.

Mas há um adicional fantástico: a bagagem de terror que o cineasta possui, com filmes como Evil Dead e Arraste-me Para o Inferno, acrescenta um tom sombrio, assustador e bastante creep ao filme, uma vez que se trata da história de nada menos que uma bruxa. As sequências de terror (muitas até!) são divertidas e totalmente refrescantes dentro do MCU. O tipo de reinvenção que já justifica o ingresso.

[ALERTA DE SPOILERS A PARTIR DAQUI!]

Tem zumbis, fantasmas, bruxaria, sangue e muitas mortes chocantes e, por incrível que pareça, gráficas. Aliás, as aguardadas participações especiais mais marcantes incluem o já confirmado Professor X (novamente vivido por Patrick Stewart), o Raio Negro (Anson Mount) da cancelada série Inumanos e, (WOW!), John Krasinski como Reed Richards, líder do Quarteto Fantástico (sim, sem introdução alguma!), fora a presença ilustre de Charlize Theron como a feiticeira Clea na cena pós-créditos.

Todos esses nomes de peso servem para aquele clássico momento de fazer o público pular da poltrona. Mas se eles possuem alguma importância para a trama, aí já é outra história. E ninguém parece realmente se importar com isso, na verdade, já que com esse deus ex machina de multiverso, a morte em si não significa mais nada no MCU e tudo feito pode ser desfeito, infelizmente.

A direção

Agora sob o comando de Sam Raimi, Doutor Estranho está ainda mais… estranho. Fora o viés do horror já citado, que cai como uma luva nessa premissa dark, o filme possui uma direção distinta, diferente do habitual e claramente com a assinatura autoral do cineasta, ainda que ele pareça um pouco nervoso com a difícil tarefa de pegar uma trama no meio. No entanto, se por um lado essa adição é revigorante e mostra que o Marvel Studios entende a necessidade de se remodelar depois de tantas produções iguais, por outro, o filme cai na terrível maldição da pressa.

A duração é curta demais (e nesse caso isso é ruim) para tantas subtramas paralelas e tantos conflitos sendo jogados na tela, ainda que não seja um filme confuso ou mal resolvido, o ritmo é frenético, desenfreado e não possui um caminho específico, apenas abarrotado de cenas de ação de encher os olhos. Cenas repetitivas, diálogos ruins e alguns efeitos especiais também são insuficientes. Apesar disso, o pior mesmo está na montagem cafona, repleta de recursos visuais horripilantes e que em nada salvam o roteiro de ser uma verdadeira bagunça. Sim, esse é certamente o roteiro mais caótico e desorientado de um filme do MCU até agora.

Conclusão

Com ritmo frenético e narrativa desenfreada, não há multiverso o suficiente para todas as loucuras de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, filme mais bagunçado e caótico do Marvel Studios até agora. Apesar de trazer o cinema de horror trash para dentro do gênero de super-heróis de uma maneira divertida e refrescante (obrigado por isso Sam Raimi), essa sequência acaba por ser o declínio infeliz na história do personagem e, sem saber para onde ir ou como explicar seus conceitos, se perde nas possibilidades. Não é um filme sobre o Doutor Estranho, mas sim, um sobre o quão alto o cinema consegue gritar com cameos e fan services feitos exclusivamente para vender ingressos.

Depois de tantas produções e de uma fórmula estabelecida com sucesso, talvez nós, fãs e espectadores, tenhamos entrado no modo automático, onde tudo é satisfatório pelos primeiros minutos. Talvez a Marvel saiba disso e tenha perdido a preocupação de fazer um filme com coração e alma, afinal, o que conta agora são as conexões e a curiosidade de como toda essa presepada vai se resolver no futuro.

Mas, convenhamos, essas promessas de resoluções já esgotou a paciência até dos mais entusiasmados. De modo comercial, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura nada mais é do que um filme para a Disney se gabar que comprou a Fox e justificar os inúmeros remakes e reboots que estão por vir. Em um multiverso de possibilidades, tivemos o desprazer de estar no universo onde esse filme promissor foi feito dessa forma precária. Quem sabe não tem uma versão bem melhor e mais coesa dele em alguma realidade por aí?

NOTA: 6/10


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