Crítica | 365 Dias: Hoje – O (des)prazer está de volta

Como sabemos, no cinema não existe um poço tão profundo que não possa ter um alçapão para descer ainda mais. Geralmente, essa rota se chama “sequência”. E quando essa tal continuação (que ninguém precisa?) vem de um grande sucesso de público na Netflix, mas que não consegue se sustentar além do seu teor erótico? Pois bem, eis que temos 365 Dias: Hoje (365 Days: This Day), nova adaptação da autora Blanka Lipińska, que chegou ao streaming mesmo após controversas sobre romantização de relações tóxicas do primeiro e catastrófico filme.

No entanto, antes de mais nada é preciso dizer que seus maiores problemas na verdade não estão apenas limitados à essa obra em si, mas todas as outras dessa linhagem de “suspense erótico” e a maneira como algo nesse nível de toxicidade preocupantemente dialoga com seu público. E não é ser puritano, não é sobre ter sexo como gatilho motivacional do enredo, mas sim como esse elemento é, de fato, trabalhado. O erotismo pode e deve ser utilizado, mas com a perspicácia de uma produção empenhada em provocar tesão, sim, mas com responsabilidade. E mais uma vez não é o caso dessa franquia. Infelizmente.

A trama e o elenco

Obviamente, o que vemos em 365 Dias: Hoje – sequência direta do filme de 2020 – são representações profundamente insalubres de sexo e relacionamentos que glamourizam e justificam várias formas de controle de abuso e dominação, mas que, convenhamos, ninguém que gosta desses filmes realmente se importa com a gravidade que habita a zona escura por trás dessas narrativas. E de certa forma, eles estão certos em não fazer isso. Se esses filmes conseguem ser algo, são puramente fantasias sexuais arquitetônicas que ganham vida na tela – apesar de não terem uma alma para chamar de sua.

Mesmo com problemas tão aparentes, prefiro acreditar que haja um entendimento entre o público de que essas obras não são e nunca poderiam ser reais, e embora pareça uma responsabilidade da crítica apontar que elas provavelmente não representam um bem social cabível, também parece um pouco ofensivo assumir que quem as aprecia não é capaz de separar a fantasia da realidade. Será? Uma das poucas boas ideias dessa sequência é ser explicitamente sobre o que acontece quando essa tal fantasia se desgasta e deixa apenas a dura realidade exposta.

Ok, vamos prosseguir. Após o sofrimento que foi a história de origem, agora Laura (Anna Maria Sieklucka) e Massimo (Michele Morrone) estão casados (acredite!) e alguns podem dizer até felizes. Laura perdeu seu bebê não nascido no acidente durante o clímax do primeiro filme, mas aparentemente ela está lidando bem, especialmente por estar novamente grávida, algo que têm mantido em segredo do seu “doce” marido.

Poderíamos presumir que nessa sequência o papel da mulher seria redimido após as polêmicas do anterior, porém não, aqui Laura é deixada para desempenhar o papel de dona de casa silenciosa mesmo. Para a alegria de quem torce pela “mocinha”, ela também não está nada contente com a função de ser a obediente esposa de um mafioso, mesmo ele insistindo que isso é para a “segurança” dela nesse novo e problemático mundo que entrou.

Será que agora ela vê o passado de outra forma? Que nada! Parte disso é sobre abordar os aspectos amplamente criticados da premissa do primeiro filme. Laura – mais uma vez – verbaliza abertamente que Massimo a sequestrou contra sua vontade, mas que estar ao lado dele é uma escolha dela, ou seja, reforçando a falsa sensação de poder feminino, quando o mesmo nunca existiu por parte dela.

Mas há sim uma pequena mudança de desequilíbrio entre eles. Pelo menos dessa vez ela está mais afiada, já que, incapaz de perseguir suas próprias ambições e viver livremente, ela rapidamente se vê frustrada com sua nova vida. Ela acha que vive algo normal com ele, mas a relação só funciona na cama – onde é apenas mais um dos brinquedos dele. Dentro disso, Anna Maria Sieklucka também parece mais envolvida com a sua personagem, uma vez que Michele Morrone só serve mesmo para ser o rostinho (e corpinho) bonito que gera engajamento do público.

Nas longuíssimas montagens sexuais que compreendem cerca de 80% do tempo de execução das quase 2 horas do filme, Laura assume o controle da relação. Agora sem ser a prisioneira dele, ela se gaba de ser sua sócia quando, na realidade, sabemos que é a mesma coisa. Ao menos as cenas picantes nos poupam de ouvir os péssimos diálogos dos personagens, feitos por um roteiro nível produções pornográficas de baixo orçamento com reviravoltas ridículas. Mas ninguém se importa, não é mesmo?

Conclusão

Não há muito o que se esperar de algo que nunca prometeu nada. O que precisa saber é que 365 Dias: Hoje nem se esforça para não passar vergonha. O enredo fútil continua recheado de montagens de sexo com música pop e tem um padrão de atuação e roteiro que pode ser caridosamente descrito como terrível.

Todos os envolvidos foram presumivelmente escolhidos com base em o quão bom são de fingir orgasmo. E, para muitos, isso é tudo o que realmente importa. Agora, se busca envolvimento emocional, narrativa intrigante e reviravoltas divertidas, para o seu desprazer, sinto informar que veio ao encontro errado. Aqui nenhuma boa trama evolui, o espectador fica eternamente preso nas preliminares. Já imaginou o pesadelo? Com 365 Dias: Hoje a Netflix realiza esse desejo para você. Mais uma vez.

NOTA: 1/10


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