Crítica | Tom & Jerry mostra como se faz um bom e divertido live-action

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Adaptações em live-action de animações clássicas da cultura pop definitivamente não são fáceis de serem feitas e as responsabilidades exercidas sobre esses projetos, sem dúvida, possuem um peso colossal, assim como um público fervoroso que necessita ser agradado. Acontece que a manobra atual dos estúdios vai contra a maré de satisfação, ainda que, claro, saibam que o fator nostalgia vende bem mais. Filmes como os recentes Sonic e Detetive Pikachu, cujas bases vem de games de sucesso, tem um ou outro easter egg para satisfazer, porém, sinto dizer que não foram feitos para você, fã de longa data, mas sim, para essa nova geração que não assiste desenho animado na TV e que consome filmes de outra forma. E é tão complexo trazer para os dias de hoje algo datado como personagens de cartoons, que a dupla de gato e rato Tom e Jerry levou mais de 80 anos para ganhar um filme com atores reais e, felizmente, toda essa espera e apreço fez render uma adaptação ideal, divertida e, pasmem, totalmente com base na essência da obra de original.

A trama e o elenco

Mesmo que o público alvo seja o infantil, o roteiro de Tom & Jerry: O Filme, adaptação da Warner Bros., assertivamente sabe que um longa-metragem não se sustentaria com apenas o núcleo da dupla de inimigos sendo o foco central da trama e, para contornar essa falta de substância, desenvolve, com bastante humor e eficiente, o núcleo humano, protagonizado por um elenco que se sai muito bem na comédia, como é o caso de Michael Peña (Homem-Formiga e a Vespa), que está sensacional no papel, assim como aposta todas as suas fichas no carisma de Chloë Grace Moretz (Carrie, A Estranha) para ser a protagonista. Uma escolha no mínimo curiosa de início, mas que, para nossa surpresa, funciona. A jovem e talentosa atriz parece se divertir com a galhofada da premissa e se entrega de verdade ao papel.

Fora isso, claro, nesse universo, é preciso ter bastante suspensão da descrença (afinal, estamos falando de desenhos animados que transcendem qualquer lei da física) e compreender que todos os animais são feitos em animação digital, não apenas a duplinha icônica que dá título ao filme. Quando a estranheza do contexto é abandonada, a trama equilibra bem os núcleos e proporciona ótimas (talvez uma das melhores desse tipo de obra até hoje) interações entre os elementos animados, os cenários e as pessoas em live-action. Desde a chuva até mesmo as sombras da iluminação, cada detalhe conecta impecavelmente as duas estéticas.

Ou seja, se os seres animados estão inseridos de forma orgânica e sem bizarrices, como acontece em obras como o live-action de Pica-Pau, por exemplo, a chance de dar certo é grande e a direção sabe que possui algo bem maior e melhor em mãos ao explorar tanto a trajetória da protagonista humana e seus conflitos internos sobre se sentir uma fraude, quanto as buscas simples de Tom, que deseja ser músico, e Jerry, que apenas quer ter uma casa bacana e repleta de comida boa para viver sem ser incomodado. Quando seus universos se colidem em um luxuoso Hotel no centro de Nova York, é aí que nasce a caçada incessante que tanto amamos assistir na TV.

Com bastante destreza e até mesmo coragem, o roteiro faz questão de colocar a famosa “violência” gráfica do desenho nas sequências de ação, algo que poderia ter sido deixado de lado nessa adaptação por conta da sensibilidade aguçada do novo público, porém, a direção prontamente contorna essa tal violência com onomatopeias divertidas, que aproximam o longa ainda mais do desenho animado ousado e sem medo de atingir ou mesmo influenciar negativamente o público infantil.

A direção

Em uma sequência em especial, quando Tom prepara uma armadilha elaboradíssima para pegar Jerry no Hotel, o diretor Tim Story (Quarteto Fantástico) mostra que, mesmo com a simplicidade da trama, é possível fazer algo sofisticado e espirituoso dentro das limitações e claro, aproveitando o orçamento. A perseguição incansável e mirabolante da dupla proporciona os melhore momentos de ação do filme e o diretor sabe muito bem dosar as cenas desenfreadas, com o humor, ainda que seja descaradamente uma comédia enraizada no exagero. Por outro lado, há personagens demais para serem explorados e boa parte deles não são interessantes o suficiente.

Esse excesso de humanos vazios desconecta o público infantil e certamente não são maduros para conquistar as demais idades. Fora isso, o plot do “casamento do século” ocupa tempo de tela demais (ainda que funcione para interligar todas as subtramas e mover a narrativa pra frente) enquanto a tão aguardada interação entre Tom e Jerry fica, grande parte, em segundo plano. Eles não são os protagonistas aqui e isso pode decepcionar uma parcela do público, inclusive, Tom tem seu desenvolvimento mais explorado que Jerry, que acaba sendo apenas um ratinho oportunista e ambicioso.

É assim que se faz um live-action

Além da qualidade técnica inegável e da visível diversão da direção, a trilha sonora se faz bastante presente, especialmente pelo fato de que Tom e Jerry são os únicos animais que não falam, assim como no desenho animado, ou seja, é a trilha que conduz a energia e o ritmo das cenas de ação e cria esse ambiente nostálgico, que presta inúmeras homenagens ao seu material de base, tal como Jerry “voando” quando sente cheiro de queijo, por exemplo, além de algumas referências à outros filmes clássicos, como o Batman do Tim Burton e Convenção das Bruxas. De modo geral, a textura da animação 3D em contraste com os cenários sem vida da cidade e do Hotel proporciona um efeito visual interessante e realmente prazeroso de ser assistido, muito por conta da direção de atores de Story e de como o elenco se relaciona perfeitamente com o CGI.

Conclusão

Dessa forma, mesmo que esteja adocicado da boa e velha nostalgia conveniente e que falte originalidade na trama, Tom & Jerry: O Filme serve diversão familiar e acerta por respeitar sua essência cartunesca e suas peculiaridades, mas também se sustenta majestosamente bem como um produto que soube se adaptar para uma nova geração. É assim que se faz um live-action destemido e, ao mesmo tempo, submergido no mais puro e contagiante entretenimento que tanto estamos necessitando nesse período de retomada dos cinemas. Está longe de ser perfeito, mas contorna seus erros com boa dose de humor, cenas de ação espalhafatosas e uma direção visivelmente preocupada em entregar o melhor possível dentro desse clássico de 80 anos. O que tinha tudo para dar errado, deu certo.

Nota: 8/10

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