Crítica | Sem Seu Sangue – Tragédia romântica que não vai para lugar nenhum

Em sua essência mais sombria, ‘Sem Seu Sangue’, drama nacional premiado em festivais e que chega agora ao catálogo da Netflix, é primoroso em estabelecer uma conexão com o público através da premissa que, inicialmente, intriga, porém, o desgaste emocional vem muito antes do roteiro se desenvolver por completo e resta apenas um vazio enorme, cuja trama dá voltas e mais voltas em torno da tentativa de preencher essas lacunas. A história, por mais curiosa que venha a ser, sobre um casal que se separa por advertências da vida, explora uma relação de amor relâmpago e que acontece muito apressadamente, sem restar espaço para que o espectador possa desenvolver qualquer empatia com a dupla ou mesmo sentir dor ou tristeza quando ela se separa, ou seja, tanto desequilíbrio assim acaba por entregar um filme muito rico em atmosfera, mas completamente vazio em todo o resto.

A trama e o elenco

Na trama de Sem Seu Sangue, que começa bem e desanda por completo depois, Silvia (Luiza Kosovski) é uma jovem introvertida que possui completo desinteresse pela própria rotina. Ela acredita ter encontrado em Artur (Juan Paiva) um sentimento que a faz sentir-se mais viva e menos tímida. Apesar de ser hemofílico, a sua força e vitalidade deixam Silvia completamente encantada, mas um grave acidente pode complicar ainda mais as coisas. Dessa premissa, a diretora Alice Furtado explora um romance sobrenatural aos moldes de ‘Crepúsculo’ (claro, mais adulto e sombrio), sobre um casal que atravesse os limites entre a vida e morte e que dialoga bastante com depressão e luto. O texto, por debaixo das camadas menos sutis, é bem interessante e Luiza Kosovski, dentro das possibilidades, entrega uma personagem expressiva e assombrosamente cativante através de seu silêncio. Porém, Juan Paiva (M8 – Quando a Morte Socorre a Vida) é mal aproveitado, já que o ator é um dos melhores de sua geração e vive um papel pequeno demais para que possa mostrar todo seu talento.

A comparação com Crepúsculo, ainda que soe estranho, é válida por conta da relação de obsessão que o roteiro estabelece entre o casal. Assim como Bella não consegue mais viver quando seu amado Edward parte (em ‘Lua Nova’), Silvia mergulha na mesma maré de solidão e desistência que a jovem da saga teen de vampiros e essa dinâmica “não vivo sem você e sou capaz de tudo para te ver novamente” é que move as engrenagens da narrativa, mesmo que se torne cada vez mais estranha e confusa e se encerre com o desfecho bem incômodo. Por um lado, o romance adolescente convencional dá lugar ao suspense que logo também se transforma em momento de puro delírio e horror, porém, por outro, falta emoção, clareza e sensibilidade para que os caminhos propostos pela trama façam algum efeito. Tanto a tal doença do jovem quanto a paixão avassaladora do casal são acelerados pela montagem, que não está afim de parar para se explicar em momento algum.

A direção

A condução de Furtado é experimental e, como já citado, constrói bem a atmosfera de suspense, mas é o ritmo que atrapalha. Ainda que a trilha sonora seja impecável, de longe o ponto mais alto do filme, o desenvolvimento apreciativo, mesmo sendo interessante, não segura o espectador, que desanima bem rápido de continuar nessa jornada rumo ao vazio. Os poucos diálogos em Sem Seu Sangue acabam realçando ainda mais o trabalho da direção, que precisa, quase que sozinho, manter a bola sempre em cima e, por conta disso, não se sustenta. Há bons elementos sem conexão entre si sendo feitos ao mesmo tempo. No fim, é uma bagunça demasiadamente lenta, com um roteiro cheio de nada e uma direção estilizada, mas que não possui força para se manter sozinha. A fotografia, por sua vez, utiliza luzes em neon para criar sensações e percepções no público, algo que está em alta atualmente e não apresenta nenhuma novidade.

Conclusão

Como uma obra experimental e com elementos sobrenaturais para um público selecionado, ‘Sem Seu Sangue’ até pode funcionar como modelo de apreciação, porém, para o grande público, em especial o que consome o modelo fast-movie da Netflix, o resultado é vago, vazio e o roteiro segue sem rumo em direção ao desinteresse. O que salva de se perder em sua própria ambição é o fato da direção, carregada de elegância e maestria, manter suspense em alta por grande parte da projeção. Um fato é certo, o cinema nacional está cada vez mais poderoso e, mesmo quando a premissa se esgota rapidamente, a iniciativa de fazer algo fora do habitual é louvável demais para passar despercebida.

Nota: 4

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