Às vezes, só percebemos que estamos diante de um novo clássico muito tempo depois de sairmos da sala de cinema. Mas Pecadores (Sinners) não deixa espaço para dúvidas. Logo nos primeiros minutos, fica claro que Ryan Coogler está em sua forma mais ousada e visionária, entregando um filme com “F” maiúsculo, que mistura drama racial, suspense e terror raiz com uma maestria ímpar.
É como se algo realmente extraordinário ganhasse vida na tela, pronto para sacudir a mesmice de Hollywood. Com uma atmosfera hipnotizante — sensual, envolvente e absolutamente magnética — Coogler nos presenteia com sua obra mais criativa, mais divertida e, sem exagero, a melhor experiência que você vai ter nos cinemas este ano. Se você quer saber como nascem as grandes obras-primas, aqui está sua resposta.
Índice
Os acertos e erros de Pecadores

Em Pecadores, tudo parece acontecer com calma e sob uma notável liberdade criativa concedida ao diretor. O filme não tem pressa em seguir fórmulas prontas — ao contrário, quebra algumas, abraça outras e reinventa o que for necessário.
A história começa com uma introdução longa e bem construída, de quase 40 minutos, dedicada a apresentar personagens carismáticos e cativantes antes de mergulhar num banho de sangue. O ponto de partida é um drama racial ambientado nos Estados Unidos dos anos 1930, ainda marcados pela segregação, pela sombra da escravidão e pela violência da Ku Klux Klan.
Mas logo o roteiro ganha camadas de fantasia e uma forte dose de elementos sobrenaturais fascinantes, abraçando o terror com uma naturalidade surpreendente. O resultado é um filme de vampiro que entrega todos os elementos clássicos — alho, estacas de madeira, o som inconfundível de morcegos — mas que vai além do óbvio ao transformar seus monstros em uma poderosa metáfora sobre o roubo de identidade e da música negra. É nesse gesto ousado que Pecadores se firma como algo raro: um terror que respeita suas raízes e, ao mesmo tempo, dá um ar fresco ao próprio gênero.
Michael B. Jordan brilha em um papel duplo — uma tendência que parece estar ganhando força este ano, como já vimos em Mickey 17 e The Alto Knights. Aqui, ele interpreta gêmeos que retornam à cidade natal carregando dinheiro, postura e um objetivo claro: abrir um clube de blues voltado à comunidade negra, que ainda era proibida de frequentar os espaços destinados à população branca. Ao lado do primo Sammie (vivido por Miles Caton) e das misteriosas Mary (Hailee Steinfeld) e Annie (Wunmi Mosaku) — duas mulheres com laços profundos com os irmãos — eles se preparam para a grande noite de inauguração.

Mas algo sombrio ronda o local e é atraído pelo talento e pela voz hipnotizante de Sammie. É aí que o pesadelo começa. Com a chegada dos vampiros, o clube se transforma em um palco de horror.
E que vampiros! Coogler os retrata como verdadeiros monstros clássicos: assustadores, sanguinários e sedutores — herdeiros diretos de Um Drink no Inferno e das grandes obras da literatura gótica. São criaturas intensas, manipuladoras, que exalam carisma e um erotismo inquietante. Cada cena em que eles aparecem é eletrizante, especialmente uma sequência de dança em ciranda grotesca, tão impactante que provavelmente vai assombrar seus sonhos por dias.
Mas o mais provocativo é a ideia de que esses vampiros vivem numa espécie de consciência coletiva livre de preconceitos raciais. Uma vez transformado, tudo aquilo que nos divide — cor, classe, histórico social — simplesmente desaparece. Brancos e pretos dançam juntos, em harmonia. Uma utopia? Talvez. Mas a que custo? É essa provocação que eleva o filme a algo maior.
Jordan segura tudo com um magnetismo impressionante. Sua química com o restante do elenco, a diferença de personalidade entre os irmãos, e a sintonia afinada com a direção de Coogler fazem com que a gente se importe genuinamente com cada personagem. Quando o terror finalmente morde — literalmente — cada cena dói de assistir.

O elenco feminino também se destaca bastante, especialmente Steinfeld, que entrega uma performance encantadora e cheia de nuances. E quando o caos começa, não dá pra piscar. Coogler se diverte na direção, e com a potência das câmeras IMAX, transforma cada plano em uma explosão visual. Estilo, atmosfera, composição de cena, fotografia — tudo em Pecadores grita diversão. Um espetáculo estético e narrativo que parece ter resgatado a alma do cinema hollywoodiano.
Outro elemento fundamental que eleva a obra a um patamar especial é sua trilha sonora, que vai muito além do papel de fundo musical — ela está presente em todas as cenas, pulsando como se fosse um personagem vivo dentro da narrativa. A música corre solta nas veias do filme, moldando atmosferas, intensificando emoções e guiando a história com alma e identidade.
Ludwig Göransson, vencedor do Oscar e colaborador de longa data de Coogler, assina uma composição simplesmente magistral. Ele costura uma tapeçaria sonora que reúne ritmos e estilos da música negra global — do jazz ao soul, do blues ao hip-hop, passando pelo rock e até por sons ancestrais e folclóricos. Tudo isso se funde em cenas de impacto sensorial, que arrepiam não só pela intensidade visual, mas pela força emocional que a música carrega.
A trilha é, sem dúvida, o alicerce do filme. É o coração que bate por trás da ação, da tensão e do drama. Ela emociona, cativa e dá corpo à jornada dos personagens. E mesmo com toda a violência gráfica e os sustos dignos dos melhores filmes de terror, uma experiência visual deslumbrante do começo ao fim — um espetáculo criado para ser vivido na maior tela possível. Combinando som, imagem e narrativa com maestria, o filme amplifica tudo que o cinema tem de melhor.

Veredito
Ryan Coogler realiza um feito admirável: entrega um filme de autor, com identidade própria e uma mensagem potente, dentro da estrutura de um blockbuster de horror à moda antiga. Pecadores é quase um musical — vibrante, estilizado e ritmado — que parece nascer do encontro entre Quentin Tarantino e Jordan Peele, equilibrando violência, crítica social e puro entretenimento com uma precisão espetacular.
Por trás dos sustos, há muito o que decifrar em suas camadas mais profundas. A mensagem antirracista está lá, clara e cortante, mas nunca didática — ela pulsa na narrativa, nos personagens, na trilha, na estética. E quando mergulha no território do terror clássico, não decepciona: entrega tensão, atmosfera e diversão como poucos filmes de vampiro conseguiram nas últimas décadas. É seguro dizer: desde Entrevista com o Vampiro, não víamos uma produção tão inspirada dentro desse subgênero.
Depois de mostrar sua força na direção de um drama de boxe e de um super-herói negro icônico, Coogler agora prova que domina também o terror — e com estilo. Pecadores é, até aqui, o grande filme do ano. E será difícil ser superado. É reconfortante — e empolgante — perceber que ainda existem ideias frescas em Hollywood e cineastas apaixonados por fazer cinema com propósito, alma e ambição artística.
Nota: 10/10
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