Crítica | Wonka – Jornada açucarada com gosto amargo de chocolate 70% cacau

Tim Burton foi o ponto fora da curva na melhor adaptação de A Fantástica Fábrica de Chocolate para as telas, pois o livro de Roald Dahl – lançado nos anos 60 – é essencialmente e adocicadamente infantil até o talo. E Wonka, uma espécie de prelúdio ou prólogo para a história principal, segue esse caminho menos agridoce.

O problema foi que as duas adaptações anteriores dessa trama, de 1971 e 2005, nos ensinou que Willy Wonka é excêntrico, estranho e ácido, reforçado pelas performances marcantes de Gene Wilder e Johnny Depp, algo que o astro do momento, Timothée Chalamet, passa longe de alcançar.

Ou seja, de cara já percebemos que a configuração do filme é diferente, a densidade e os mistérios em torno desse homem dão lugar a uma aventura bobinha, novelesca e musical sem grande impacto no coração ou mesmo força para se tornar um clássico. 

A trama e o elenco de Wonka

Wonka possui as batidas certas para atingir o seu público-alvo, há humor pastelão, performances caricatas e um clima de festas de fim de ano que deve se conectar com quem busca uma emoção despreocupada. Com a missão de contar a origem do jovem Willy Wonka, antes de ser dono da maior e melhor fábrica de chocolates do mundo, o filme de Paul King – que diga-se de passagem é um realizador visionário – desconstrói a persona característica do personagem para criar um menino ingênuo, doce e, acima de tudo, sonhador, um herói convencional que vale a nossa torcida para que consiga realizar seus desejos no final.

O ponto central é como essa ingenuidade de Wonka se choca com a perversidade do mundo e ganância das pessoas com poder nas mãos. Já dizia Amélie Poulain: “são tempos difíceis para os sonhadores”. E Wonka definitivamente passa por maus bocados até sair mais forte no fim. 

A ideia é ótima e resgata com veemência o encanto das palavras de Roald Dahl, assim como suas camadas mais densas sobre família e solidão. A Fantástica Fábrica de Chocolate de Dahl é uma obra que vai muito além de uma simples história infantil. Embora seja um conto cheio de fantasia e imaginação, o autor incorpora críticas sociais e reflexões sobre a natureza humana ao longo da narrativa.

A essência do livro gira em torno de temas como desigualdade social, ganância, comportamento humano e as consequências de nossas ações. Dahl utiliza a fábrica de chocolate como um microcosmo para abordar questões mais amplas sobre a sociedade e a moralidade, elementos que, de certa forma, vemos em todas as adaptações dele. Mas Wonka é mais direto, mais óbvio. O roteiro é construído para ser descomplicado, apesar de cair de cabeça no clichê. 

Willy é aqui caracterizado como um eterno otimista e, depois de sete anos aperfeiçoando sua boa-fé em confeitaria, está entusiasmado com a ideia de possuir uma loja de chocolates, que ele também espera que promova uma conexão com sua mãe, interpretada por uma Sally Hawkins subutilizada.

Embora Willy solte alguns sarcasmos aqui e ali, ele está muito longe do cínico que acabará fechando sua fábrica ao público e, portanto, é menos propenso aos ataques momentâneos de apatia que tornam as versões anteriores do personagem tão icônicas. É uma configuração nova, que deve agradar a nova geração, mas certamente fará os fãs mais apaixonados sair um tanto quanto decepcionados. 

Acima de qualquer coisa, é importante saber que o filme é um musical cheio de dança e canto para contar a história de Wonka na cidade grande enquanto trabalha de forma forçada em um hotel comandado pela megera vivida pela ótima Olivia Colman. Música sempre foi o pedigree da franquia, não deveria ser uma surpresa tão grande assim, mas parece que desta vez o bonde desandou.

As canções são cansativas, enjoadas e excessivas, mas por outro lado, o positivo, o filme trilha seu próprio caminho e faz diferente das adaptações anteriores, algo que facilmente justifica sua existência. Timothée Chalamet, por sua vez, até se entrega de coração, mas não possui a energia do personagem, não encanta. Sua performance é bastante enfadonha, caricata, ao mesmo tempo que tenta não ser. Um bom ator de drama que simplesmente não convence na comédia. Enquanto isso, a jovem Calah Lane rouba o carisma para si. 

E por falar em roubo, Hugh Grant vive um Oompa-Loompa ousado, debochado e esperto, dono das melhores piadas do filme ao lado do astro Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean, que aparece pouco mas diverte bastante. O senso de humor do filme é bem infantilizado, com piadas sobre pum e outras presepadas de um roteiro que não deseja ir muito além de ser um filme para a família.

Depois de fazer dois dos melhores filmes para a família em anos com Paddington e Paddington 2, Paul King se encaixa naturalmente no mundo caprichoso de Wonka e mantém a alegria no topo, mas não brinca tanto assim com o lado mais psicodélico desse universo doce, mesmo com uma produção espetacular em todos os quesitos. A linguagem visual e criativa atinge ápices de brilhantismo. 

Wonka tem um ritmo rápido o suficiente para que qualquer um de seus erros não possa incomodar por muito tempo (fora de um trecho do segundo ato decorrente de uma série de fracassos de Willy). Com sua narrativa apressada, a trama opta por justificar apenas o que lhe convém, utilizando da sua liberdade imaginativa para preencher os espaços vazios da falta de conteúdo para algumas subtramas e personagens secundários. Para isso, usa e abusa de números musicais bobinhos e canções que deve apagar de sua memória após a sessão.

Veredito

Wonka assume seu próprio caminho como um filme ensolarado e excessivamente doce, a ponto de atrair abelhas, mas não honra totalmente o charme subversivo das duas icônicas adaptações anteriores. No entanto, essa doçura própria deve melar o coração do público que busca uma história feliz repleta de boas mensagens sobre não desistir de sonhar num mundo real já exausto de notícias ruins. Este prelúdio estrelado por Timothée Chalamet celebra os pensadores e criadores, mesmo que para isso precise abraçar uma história cafona e fora de moda. 

A interpretação de Willy Wonka por Chalamet é enfadonha, sem a sagacidade e humor ácido que vimos antes no personagem já vivido de maneira magnética por Gene Wilder e Johnny Depp, algo que deixa espaço para o restante do elenco brilhar um pouco mais. Com canções esquecíveis e números musicais genéricos, a força do filme reside mesmo em sua mensagem central otimista e na forma animada como constrói um filme familiar que não deseja ser nada além disso. Não é um clássico, mas cumpre sua missão de agradar uma nova geração sedenta por tramas descomplicadas. Divertido enquanto dura a barra de chocolate, depois só precisamos lidar é com a dor de barriga que chega. 

NOTA: 7/10

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