Entre absurdos e risos genuínos, a real magia de Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness) – filme indicado ao Oscar 2023 e que chega ao Brasil pela Diamond Films – está mesmo é na maneira espetacular de como o roteiro se preocupa em criar expectativas e depois derrubá-las com reviravoltas inesperadas e imprevisíveis, algumas que beiram o abismo do ridículo, de forma consciente, é claro.
Com muito a dizer e atirando para todos os lados possíveis, o filme é, acima de tudo, uma comédia implacável e estridente, que alfineta descaradamente os ricos e suas manias escandalosas. Diferente de obras como Parasita, é uma sátira social cabível aos tempos atuais, mas que deve enfrentar barreiras para cativar seu público, uma vez que se apresenta bem mais como filme específico de festival do que pensado para o cinema global.
A trama e o elenco
Tudo começa de forma sutil e absolutamente comum, o jovem Carl (Harris Dickinson) e sua namorada supermodelo Yaya (Charlbi Dean) estão namorando há pouco tempo. A relação é sem química, mas boa para manter as aparências em suas redes sociais. Um início lento e excruciante, mas extremamente engraçado, que já estabelece sua dinâmica enquanto provoca uma conversa sobre quem paga a conta no jantar. Entre alfinetadas no falso feminismo e no lado patético da indústria da moda e seus egocentrismos, o diretor sueco Ruben Östlund cria habilmente uma zombaria de influenciadores e ricos, deixando claro que o filme vai cutucar algumas feridas pelas próximas horas.
Ao seguir o mesmo tom cômico do seu filme anterior, o ótimo The Square: A Arte da Discórdia, Östlund coloca esse casal sem sal e conflitante em um cruzeiro de luxo abarrotado de ultra-ricos e regado de muito champanhe, caviar e Nutella. Mas essas caricaturas ganham forma e cada personagem define e representa uma questão social essencialmente necessária de ser abordada e destrinchada pelo olhar cortante do humor ácido. Ainda que possa parecer uma exibição gratuita e até hipócrita dessa parcela da sociedade – que em grande maioria domina Hollywood -, a verdadeira beleza do roteiro está exatamente em o quão autoconsciente ele é. E isso funciona que é uma beleza quando a tempestade chega. Literalmente.

Rir de ricos é uma piada que sempre funciona nas telas, mas o sabor é melhor quando são reproduzidos com tamanha maestria e veracidade, uma vez que seus dilemas são tão à parte desse mundo real em que vivemos, que chega ser doloroso de assistir.
Woody Harrelson (Zumbilândia) está perfeito como o capitão marxista e beberrão que detesta cada minuto que precisa passar com gente rica em seu navio. Mas quando o jantar do capitão dá errado, o filme explode em uma chuva de humor e vômito que faz nosso estômago revirar.
O ponto de virada da trama é o momento em que o longa evidencia sua real intenção: provocar o espectador. Além de um excelente timing cômico, o terceiro ato arpa do porto e ruma direto para um novo capítulo, como um outro filme de sobrevivência dentro do mesmo.

O chacoalhar do navio – brilhantemente explorado pela câmera nervosa de Östlund e seu domínio absoluto do gênero – provoca náuseas e deve deixar o público levemente desconfortável, uma vez que nos sentimos parte daquele ambiente sujo e delirante. Conforma a trama avança, mais fundo entramos na putrefação dos personagens e o rompimento de sua empatia e senso de união.
No geral, Triângulo da Tristeza é uma história sobre egoísmo e luta de classes notavelmente eficaz, que faz refletir sobre de que lado nós ficaríamos nessa maluquice toda.
Dolly De Leon (que vive a hilária Abigail), por exemplo, representa uma parte da sociedade carregada de raiva e rancor pela falta de voz ativa. A atriz rouba a cena.
No fim das contas, o filme é um pouco longo demais, e algumas cenas desnecessárias no desfecho deixam você desejando que fosse um pouco mais sintetizado. Ainda assim, a trama nunca perde totalmente o fôlego.

Veredito
Digno de seu lugar no Oscar, Triângulo da Tristeza zomba da ruína dos ricos e dá uma verdadeira aula de como fazer uma comédia cringe carregada de acidez, absurdos e gargalhadas. Uma guerra de classes tremendamente engraçada, mas também uma sátira social poderosa e eficiente, feita para ser assistida preferencialmente de estômago vazio.
Mesmo com atuações excelentes, a narrativa lenta demora para mostrar sua força e deve afastar quem busca mais ânimo. Se o roteiro fosse um pouco mais condensado, certamente seu efeito seria mais eficiente. De qualquer forma, é um filme hilário em sua essência e inteligente nas camadas mais profundas, feito para incomodar e afundar o navio de quem tem o rei na barriga.
NOTA: 8/10
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