Crítica | O Último Duelo – Drama brutal sobre o poder da masculinidade e a fragilidade da justiça

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Para começo de conversa, O Último Duelo (The Last Duel) é, acima de qualquer coisa, sobre o poder da masculinidade e a fragilidade da justiça. Temas esses que nunca deixaram de ser atuais e que o diretor Ridley Scott aborda em seu novo épico medieval baseado em fatos históricos.

Ao olharmos assuntos extremamente contemporâneos – como o abuso de poder, a violência sexual e o machismo – por um viés de época, percebemos que o mundo não evoluiu tanto assim, a diferença é que agora temos redes sociais para expor nossos conflitos e formarmos aliados à nossa causa.

De qualquer forma, o longa-metragem mergulha no passado para remontar uma intriga sobre os relatos do último duelo autorizado em solo francês entre dois homens que – aparentemente – disputavam a mesma mulher, no entanto, o conflito se prova bem mais denso, brutal e controverso que apenas isso.

Após viajar por mundos da galáxia, por ficções científicas futuristas e dramas biográficos, Scott faz uma de suas melhores obras ao refletir sobre um tema simples e crucial: o domínio masculino na base de nossa sociedade.

A trama e o elenco

Antes de mais nada, é importante saber que O Ultimo Duelo é um recorte de um período excessivamente violento da nossa história e, como tal, explora e exibe sem dó cenas de violência intensa e momentos de estupro desconfortantes de serem assistidos, especialmente ao público feminino. Ter isso em mente torna a experiência levemente mais aceitável, afinal, a trama é divida em três capítulos e cada um mostra o ponto de vista dos envolvidos num caso perverso e cruel de sexo sem consentimento.

Como a narrativa começa pelo olhar desatento do marido brutamontes Jean de Carrouges, vivido por Matt Damon, e passa pela descrição cínica do abusador Jacques Le Gris, interpretado por Adam Driver, a jornada em busca da verdade sobre como Marguerite (Jodie Comer) foi brutalmente atacada, demora para chegar e é praticamente impossível não embrulhar o estômago com os relatos nojentos dos personagens masculinos.

Cada ponto de vista tem seus próprios detalhes, seja de um beijo ou de como o estupro ocorreu, se houve consentimento da vítima ou mesmo se haveria amor entre ela e seu violador, uma vez que as leis são estabelecidas pela Igreja e a mesma não reconhece estupro como crime, especialmente se a vítima engravidar.

Desse enredo denso e carregado, o roteiro verborrágico é extenso e, por vezes, constrói uma narrativa que caminha a passos lentos rumo ao desfecho com o tal duelo do título e a resolução do conflito.

Mas é Jodie Comer (Killing Eve) a verdadeira estrela dessa obra, mesmo com sólidas atuações por parte do elenco masculino (Driver vai do carisma ao ódio com facilidade). A atriz se entrega de corpo e alma e afasta o seu habitual tom cômico para viver uma mulher que não aceita ser silenciada. De longe, sua melhor performance no cinema e, por conta disso, parte do filme tem peso negativo.

Ao explorar esse mundo de opressão e controle masculino, onde mulheres são derrotadas, o desafio do roteiro e da direção é não fazer o mesmo com suas personagens, algo que, a meu ver, acaba se contradizendo. Marguerite não é o centro da narrativa (mas deveria), ela serve apenas de escada para o tema, fora que seu estupro é mostrado duas vezes sem a necessidade para tal.

Fora isso, Ben Affleck (Liga da Justiça) também se destaca ao dar vida a um personagem absurdamente detestável, uma perfeita representação de tudo de mais danoso que há na misoginia. Invariavelmente, o trio de protagonistas são feitos de muitas camadas e o elenco sustenta firmemente cada uma delas.

A direção

Assim como os pontos de vistas masculinos dominam 80% da obra, a direção também é de um homem e isso, em um filme cujo foco da trama é um caso de estupro, geralmente a combinação não sai como deveria. No entanto, não é o fato aqui.

Para nossa surpresa, Ridley Scott (Prometheus) – já com seus 83 anos – dispõe de um olhar bastante sensível com os detalhes e, ainda que tenha momentos friamente pesados, suas lentes captam apenas o crucial para fazer aquela violência ter seu devido impacto.

Além do mais, apesar do ritmo lento e da repetição de cenas – que deixam a narrativa uma vez ou outra maçante e sonolenta – sua condução é eficiente na construção, tanto do drama quanto da atmosfera obscura da época. Não se engane, apesar do título, está longe de ser um filme de ação com batalhas épicas medievais, uma vez que o coração da história está na relação entre as personagens e seus pecados íntimos, na mentira que sustentam em prol do amor (?), da sobrevivência e de até onde um ser humano pode ir confiando apenas em seus instintos mais perversos. E para tal construção do clima tenebroso da época, a direção de fotografia, a cenografia e os figurinos estão absolutamente notórios. Sem dúvida vem indicações ao Oscar por aí.

Conclusão

Ao se despir da ação convencional e imergir em um drama denso, pesado e sombrio, Ridley Scott possui algo de relevante a dizer e cria uma de suas obras mais maduras e sólidas com o épico O Último Duelo. Apesar do ritmo parcialmente maçante – que deve provocar bocejos em quem busca batalhas medievais desenfreadas -, o trio de protagonistas sustenta a narrativa, em especial Jodie Comer e seu talento absurdo, que iguala ao seu carisma inimitável.

Uma ótima surpresa no ano em que o cinema ainda está se adaptando ao retorno triunfal, além do que, o roteiro trata um tópico extremamente atual por um viés prudente, adulto e que coloca a macharada para refletir sobre sua própria masculinidade tóxica e como o poder nas mãos erradas fez o mundo ser esse ambiente hostil que é hoje para as mulheres. Você poderia esperar esse tema em um filme impactante de alguém como Greta Gerwig, mas vindo de um senhor como Ridley Scott? Essa é uma novidade para ser vista nos cinemas.

Nota: 8/10


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