Crítica | Luca – História de amadurecimento pelo olhar encantador da Pixar

Chega a ser quase redundante dizer que a Pixar acertou novamente, afinal, que o estúdio se mantém firme e forte invicto no ramo das animações de qualidade, isso todos nós já estamos cansados de saber, no entanto, parece que a proposta nos últimos anos tem sido desenvolver narrativas ainda mais profundas, com um quê de existencialista e carregadas de duplos significados. São mais de 26 anos de existência desde sua estreia com o inesquecível Toy Story e a maturidade parece ser o ponto de ignição para os novos filmes originais do estúdio, tanto na técnica da animação – cada vez mais surpreendente – quanto nos temas abordados, uma vez que obras, como o recente Soul provocam reflexões diferentes para crianças e adultos, sendo praticamente dois filmes dentro de um. E com Luca, novo projeto, que dessa vez explora a cultura italiana, não é diferente. Divertido e instigante para o público jovem, mas que guarda uma análise poderosa por trás e que evidentemente pode ser uma alegoria sobre “sair do armário”. Será?

A trama e o elenco

Na realidade, a trama trabalha com brilhantismo temas densos como autodescoberta, aceitação e liberdade, nesse caso, voltados para a fase de amadurecimento do adolescente, que vivencia o tão complexo momento de amadurecimento. Porém, com bastante sensibilidade e delicadeza, metáforas são plantadas e a temática acaba abraçando, com carinho, a comunidade LGBTQIA+, uma vez que o protagonista – um menino-peixe doce e gentil – que vive nas profundezas do oceano, descobre que pode viver na superfície, porém, “escondido” dentro de uma imagem que reflete o padrão que a sociedade costuma aceitar. Logo ele encontra um amigo – também do oceano – e juntos desenvolvem uma forte amizade enquanto descobrem que há muito mais à ser explorado fora do lugar comum.

Dessa premissa, a animação presta homenagens à estética solar e ao culto à natureza do Studio Ghibli – especialmente ao filme Ponyo – e evidentemente ao clássico A Pequena Sereia. Proporcionando, assim, uma aventura cativante do começo ao fim.

Durante o processo de aceitar quem realmente é, Luca (dublado no original por Jacob Tremblay) descobre que sua espécie é tratada como monstro na vila de pescadores e decide continuar ali pois, segundo uma frase no final do filme: “ele até pode ser rejeitado, mas sempre consegue encontrar pessoas boas”, laços de amor e amizade, como o que possui com o corajoso Alberto (Jack Dylan Grazer), um menino mais velho, mais ousado e mais solitário.

Através dessa amizade, o roteiro aborda os altos e baixos de se entregar de olhos vendados para alguém e mostra como um completa o vazio do outro, sendo que ambos se sentem deslocados no mundo, aprisionados dentro de si mesmo e desejando ser livres para viver o seu potencial máximo.

É interessante como o desenrolar da trama mostra que tanto os humanos quanto os “monstros” marinhos conhecem muito pouco uns aos outros e essa relação conturbada é o que os faz temer sua coexistência. Naquela vila simples, da ensolarada região litorânea da Itália, a magia acontece quando você para de se importar com o mundo exterior e começa a olhar para a beleza única que habita dentro de si mesmo. E isso que faz Luca e Alberto terem uma jornada deliciosamente fascinante durante o verão que mudará para sempre suas vidas pacatas.

A direção

Fora as boas referências culturais/lendas e a química das crianças, a qualidade da animação é sempre de alto nível, mas quando a trama se passa no mar e a água habita 70% do filme, o deleite visual é estarrecedor. As cores vivas, a atmosfera de verão e a sutileza das relações tornam a experiência quase que a mesma de se observar uma obra de arte ganhar vida.

Cada mínimo detalhe dos cenários é fascinante, vibrante e a fluidez da direção une todos esses elementos com maestria. O diretor Enrico Casarosa (La Luna) preenche a ambientação com um sentimento de “primeiro amor”, de “verão inesquecível” e que abraça o espectador de uma forma aconchegante e imersiva, sustentada ainda mais pelo ótimo humor e personagens secundários carismáticos, como a jovem Giulia (Emma Berman) e a família super protetora de Luca que, inclusive, o limita de viver por medo de que sofra no mundo pois ele é considerado diferente do “convencional”. Isso lembra um famoso dilema do mundo real? Sim, exatamente esse.

Outro elemento notável é a trilha sonora, ainda que menos marcante do que as demais do estúdio. De certa forma, diferente dos filmes recentes da Pixar, essa fisga bem mais as crianças por ser simples e direto na premissa que habita a superfície visível ao público infantil, algo que faz lembrar até mesmo obras menos cultuadas, como O Bom Dinossauro, que diverte, faz rir, mas não emociona ao nível Pixar de emocionar.

No entanto, a relação de afeto e amizade da dupla protagonista lembra a simpatia de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, filme lindíssimo e bastante prejudicado pela pandemia no ano passado. Ou seja, definitivamente falta um pouco mais de nuances dramáticas na trama para deixar o desfecho mais emocional, ainda que sim, se você se encaixar nos temas que são refletidos, as lágrimas chegam sem dó e o coração se inunda de esperança quando percebemos que o tema-central é mesmo conviver com as diferenças e abraçar o lado mais “monstro” que existe dentro de cada um de nós.

Conclusão

Dessa forma, é melhor encontrar espaço em seu coração para o 24º filme da Pixar, afinal, mesmo tendo um roteiro mais simples para o padrão de qualidade do estúdio e uma premissa não tão original quanto se poderia esperar, Luca transborda sensibilidade em uma encantadora história de amadurecimento, que deve agradar os adultos – através de suas metáforas sobre aceitação -, mas que fará os olhos das crianças brilharem com os tons vibrantes de um filme de verão sobre o valor da amizade. “Silêncio, Bruno!”, a Pixar acertou mais uma vez.

Nota: 8/10

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