Crítica | A Mulher na Janela destaca metáforas em jornada sobre liberdade individual

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Após vários adiamentos, A Mulher na Janela, aguardado há três anos, enfim chega à Netflix em meio a opiniões mistas. Enquanto alguns defendem as reviravoltas do enredo, outros lamentam as divergências em relação ao livro homônimo de A. J. Finn.

Independente da linguagem, ambas as obras mantêm o foco em Anna Fox (Amy Adams), uma psicóloga que vive reclusa por causa do medo desproporcional de lugares públicos ou espaços abertos. Dia após dia, visitas rápidas resumem sua interação social, mas ao testemunhar um ato de violência no apartamento vizinho, a solidão cede espaço ao delírio. À frente da direção, Joe Wright abandona o classicismo pelo qual é conhecido pela construção de uma atmosfera delirante. Com isso, a tensão característica do gênero se une ao simbolismo intimista para então, propor reflexões em torno de identidade e autoconhecimento. 

Responsável por conferir profundidade à narrativa, o roteirista Tracy Letts adapta a jornada da protagonista aos preceitos do Gnosticismo, combinação de religião e filosofia. Segundo esse pensamento, o mundo foi criado por uma divindade imperfeita, logo a vida na Terra não passa de uma ilusão capaz de nos aprisionar. Escondida a sete chaves, a verdadeira realidade seria alcançável apenas em nível espiritual, portanto o ser humano deve se voltar em direção ao próprio interior. No cinema, O Show de Truman (1998), Matrix (1999) desenvolveram histórias nas quais heróis se libertam de universos enganosos e manipuladores depois de investigarem a si mesmos. Em produções recentes, como A Garota no Trem (2016) e a minissérie Objetos Cortantes (2018), a independência é subjetiva, uma vez que resulta da ruptura de limitações emocionais. 

De volta ao mais recente lançamento, a prisão metafórica é representada pela agorafobia, o transtorno mental da protagonista. O grande apartamento onde a maioria dos eventos acontece remete a uma casa mal assombrada e parece ainda maior conforme novos cômodos são apresentados. Apesar disso, Anna preenche o tempo com clássicos de Hollywood e interações online até testemunhar, pela janela, Alistair Russell (Gary Oldman) esfaqueando a ex-esposa Katie (Julianne Moore), então chamada de Jane. Como a gnose, caminho em direção à verdade, sempre parte de percepções ou sentimentos íntimos, a alucinação de Fox desencadeia uma mudança pessoal, mas o processo ocorre sem planejamento. Seu meio distorcido passa a ser questionado pela combinação de álcool e medicamentos, os quais tem como finalidade conduzí-la rumo a emancipação.

Ao longo do desenvolvimento de A Mulher na Janela, a linguagem cinematográfica complementa o crescente senso de desorientação da trama. Os devaneios da psicóloga, personificados pela atuação compenetrada de Amy Adams, são retratados pela câmera inclinada e a interferência de uma trilha sonora incisiva nos momentos críticos. Já seu estado mental é refletido pelo cenário caótico, no qual escadarias se embaralham como um labirinto, resultando numa vertigem semelhante àquela vista em Um Corpo que Cai (1958). As referências ao clássico de Hitchcock abrangem o uso cuidadoso e intenso das cores. Quando Anna relembra ter causado o acidente de carro fatal para a filha e o marido, a luz vermelha nos flashbacks reforça a tragédia. De volta ao presente, tons amarelados aludem a iluminação, logo confirmam o despertar da personagem diante do trauma que a aprisionava. 

No terceiro ato de A Mulher na Janela, todas as provações da trajetória se unem num quebra-cabeça psicológico. Durante confissões, Ethan Russell (Fred Hechinger), transparece o rancor decorrente do descuido da mãe e com ele, a intenção de punir quem também já foi negligente. Devido a isso, Anna racionaliza as circunstâncias da morte da família pela primeira vez e aceita a condição de vítima, considerando injusto quaisquer sofrimento adicional pelo mesmo acontecimento. A luta pela sobrevivência a partir de então se traduz no embate físico da dupla, o qual apesar de apelativo, marca o fim do ciclo gnóstico e o reestabelecimento da ordem. Em seguida, o salto temporal de nove meses indica o início de uma nova vida, porém desta vez, nenhuma barreira separa o mundo interior do exterior, pois não há conquista maior do que a liberdade individual. 

Nota: 7/10

Escrito por: Nathalie Moreira 

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