Crítica | O Cemitério das Almas Perdidas – Épico de horror para lembrar a perversa colonização do Brasil

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Se tem uma coisa que o diretor Rodrigo Aragão (As Fábulas Negras) faz de forma majestosa, é amplificar o estilo de horror gore que tanto colocou o Brasil nos holofotes do mundo através do olhar icônico de José Mojica. Com o objetivo de não apenas construir um filme de terror convencional, mas sim uma epopeia de horror com o melhor que o subgênero trash pode proporcionar, faz tempo que uma obra não alcança a estranheza de Zé do Caixão como O Cemitério das Almas Perdidas consegue alcançar. E isso, por si só, já merece bastante atenção tanto dentro quanto fora do país.

A trama e o elenco

O roteiro do longa-metragem é interessantíssimo e, com toques de terror europeu, mescla dois períodos temporais para narrar uma trama sobrenatural satânica, que impressiona pela qualidade técnica e, principalmente, pela forma como consegue se distanciar de outros filmes do gênero feitos recentemente por aqui. Ao retornar ao obscuro período colonial do Brasil, a premissa mostra um jesuíta português, vivido pelo ótimo Renato Chocair (Lucicreide Vai pra Marte), ser corrompido por um livro diabólico com o intuito de chegar em segurança ao continente após uma longa e caótica viagem de navio, porém, todo pacto tem seu alto preço e o grupo de padres acaba por amaldiçoar o lugar e atrair demônios que não estavam preparados para enfrentar. Séculos depois, suas almas ainda assombram um sinistro cemitério em uma cidadezinha do interior.

Dessa premissa, a obra ainda encontra espaço – entre sangue, tripas e mortes bizarras – para alfinetar fanatismo religioso e o quão pavoroso foi o massacre de indígenas durante a colonização do Brasil. Horrores reais que servem de base para que a trama possa desenvolver uma fábula sombria a respeito dessa mancha obscura que jamais poderá ser apagada de nossa história, especialmente em um país de memória tão curta como o Brasil.

Já o elenco de O Cemitério das Almas Perdidas, por sua vez, entrega inesperada veracidade, mesmo se tratando de um estilo que o cinema nacional não está acostumado. Destaque para Allana Lopes e Diego Garcias. Renato Chocair, por exemplo, rouba a cena como o diabólico antagonista. O olhar sombrio e postura soberana compõem um personagem realmente assustador, digno de vilões hollywoodianos como Jeepers Creepers e o Djinn de O Mestre dos Desejos. Ou seja, é visível que há bastante preocupação da produção em criar uma atmosfera dark envolvente e que convença também o espectador que torce o nariz para filmes de terror nacionais. Desde a trilha densa, passando pelos engenhosos efeitos práticos até os cenários impecáveis, a obra proporciona uma imersão prazerosa no contexto lúgubre, porém, isso não a impede de exagerar em alguns pontos.

A direção

A condução de Rodrigo Aragão é atraente aos olhos e o diretor mostra sabedoria na construção de ritmo e na forma como mistura os dois períodos temporais sem provocar grande tédio. Em diversos momentos, sua direção remete tanto ao trabalho assumidamente trash de Mojica quanto ao creepy sensorial de Sam Raimi, em The Evil Dead. Essa união de inspirações é uma surpresa totalmente agradável, especialmente por alcançar certa originalidade, mesmo com inúmeras referências por trás. Às vezes, por conta dos ângulos de câmera, o longa passa a sensação de ser a filmagem de uma peça teatral, detalhes esses que servem tanto para fazer bom uso do orçamento limitado, quanto para dar um estilo bastante bem-vindo.

No entanto, o terceiro ato acaba por prolongar seu clímax épico e sangrento e se distancia de um possível drama humano que viria a calhar. Os personagens (com exceção do vilão), ainda que bons, possuem poucas camadas e suas trajetórias são bastante previsíveis. Isso, somado ao fato de que já há certa relutância do público com esse tipo de obra, acaba ajudando a desconexão em momentos cruciais. Já a narrativa, por vezes lenta e arrastada, perde ritmo na metade e volta a crescer no desfecho. Não incomoda tanto no geral, mas ainda assim é um problema evidente.

Conclusão

Para surpresa, O Cemitério das Almas Perdidas é um épico de horror atmosférico que impressiona pela qualidade estética e – com muito sangue e tripas – ainda presta uma calorosa homenagem ao estilo singular do nosso eterno Zé do Caixão. Se você ainda tem antipatia pelo cinema brasileiro de terror, tá aí mais uma obra notável, que comprova a diversidade de nossas narrativas e o nível de habilidade que conseguimos alcançar quando vem da genialidade de um cineasta competente.

Nota: 8/10

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