Crítica | Vovó Saiu do Armário – Desperdício de uma premissa ousada

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O novo Original italiano da Netflix, Vovó Saiu do Armário (Salir del Ropero), é um ótimo exemplo de como apenas boas intenções não salvam um roteiro caótico. A mistura de comédia com drama familiar aposta em um tom novelesco e paisagens de tirar o fôlego para narrar a história de uma família que precisa lidar com o fato de que a avó vai se casar com outra mulher. O excesso de personagens secundários e a falta de sintonia entre o elenco pesa negativamente e atrapalha o desenvolvimento do humor na mesma proporção que atrapalha a imersão do público, afinal, ainda que se trate de uma obra feita para emocionar, há pouca sensibilidade da direção e maestria do roteiro em lidar com um tema nessa proporção.

A trama e o elenco

Dessa premissa até mesmo criativa e que, sem dúvida, renderia uma ótima obra caso fosse trabalhada com um ponto de vista mais revigorante e menos carregado de estereótipos, nasce uma comédia que se sustenta apenas pelo humor físico e trata seus personagens como se fossem de uma novela mexicana ruim, daquelas que reprisa na TV. A ideia de desenvolver uma trama sobre o amor na melhor idade e como funciona esse mundo LGBTQ+ para pessoas mais maduras é sim um caminho interessante à ser seguido, no entanto, pouquíssima coisa se salva desse longa descompensado e de progressão engessada por conta de uma montagem absolutamente estranha, que influencia o ritmo, ou melhor, a falta dele, ao dividir sua narrativa, já fraca, entre dois núcleos: o da neta sem ânimo, que vai se casar com um jovem de família retrograda e o da avó e seu casamento inesperado.

Acontece que o roteiro dá muito mais tempo de tela para as desventuras amorosas da neta e acaba por deixar de lado qualquer profundidade que pudesse ter explorado na vida da avó e sua libertação sexual tardia. Ou seja, é aquele típico filme que possui medo de si mesmo, já que se encaixa na temática LGBTQ+, mas têm como protagonista um casal heterossexual e, através desse ponto de vista exterior, é que acompanhamos a trajetória da avó lésbica e o momento mais importante de sua vida: contar para todos da família que decidiu, antes tarde do que nunca, seguir sua felicidade. Não que a trama necessite de mais ousadia e coragem, mesmo que, só haja um único beijo entre as senhoras em mais de 1 hora e meia de projeção, mas sim, esse temor do roteiro de transformar a trama em algo denso poderia ter sido facilmente contornado com a presença de mais química, não apenas no casal, como também entre todos do elenco. A dupla de veteranas Rosa Maria Sardà (Tudo sobre Minha Mãe) e Verónica Forqué (Que Fiz Eu Para Merecer Isto?), ainda que tenham pouco tempo em tela, possui carisma de sobra e uma fofura que encanta. Já Ingrid García-Jonsson (A Pequena Suíça), apesar de boa atriz, não se sai bem no humor e não consegue carregar a história sendo ela o ponto central.

A direção

A certa altura, a trama de Vovó Saiu do Armário alcança o patamar de ser demasiadamente cansativa e se perde dentro de suas próprias ambições, muito por conta da grande quantidade de personagens que não fazem a menor diferença e só servem para deixar a história encharcada de vazio. O roteiro tenta, desesperadamente, emplacar humor, mas a comédia nunca atinge o nível necessário para fazer rir ou conquistar o público, restando apenas exageros toscos e situações clichês totalmente previsíveis, diferente, por exemplo, de outro filme nessa mesma temática sobre “sair do armário”, a comédia Alguém Avisa?, lançado recentemente e que acaba funcionando bem melhor no que se propõe. A bagunça se estende, claro, para a direção. O trabalho de Ángeles Reiné fracassa em construir ritmo e usa e abusa de uma montagem péssima, fora o trabalho mínimo da diretora com o elenco e a falta de sintonia entre todos os envolvidos.

Conclusão

Dessa forma, embriagado de boas intenções, o roteiro de Vovó Saiu do Armário não se sustenta apenas pela calorosa temática LGBTQ+ e acaba recorrendo a uma história bagunçada, desinteressante e tediosa, cujo humor não atinge o nível adequado para divertir e o drama se dissipa pela falta de sensibilidade e química do elenco. Um desperdício absoluto de uma premissa interessantíssima, atual e ousada, em mais um filme da Netflix que peca pela falta de entusiasmo e que se contenta em fazer apenas o mínimo, quando poderia ter sido bem mais que isso.

Nota: 4/10

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