Crítica | O Gambito da Rainha – “Muito além de uma partida de xadrez”

A Netflix, atualmente, têm oferecido aos seus assinantes uma grade de produções bastante diversificada em relação a gêneros e enredos. Ainda que muitos a tenham exclusivamente como grande produtora de filmes e séries clichês de romance adolescente, a plataforma explora um espaço artístico mais adiante dessas demarcações. A aposta da vez é “O Gambito da Rainha”, uma minissérie americana de drama, baseada no livro de 1983 de mesmo nome do autor Walter Tevis.

A trama de O Gambito da Rainha gira em torno de Elisabeth Harmon, interpretada pela talentosíssima Anya Taylor-Joy, uma enxadrista prodígio e viciada em tranquilizantes e álcool que se torna uma estrela no xadrez.

Criada longe do pai, pela mãe com inclinações suicidas que são concretizadas, a menina é conduzida a um orfanato em Kentucky nos anos 50. Entre a angústia e a solidão, Beth, como era chamada por sua mãe, enxerga na amizade com Jolene (Moses Ingram) e no jogo de xadrez, descoberto no porão com o zelador que sempre disputava partidas contra si mesmo, um refúgio da dura realidade.

No entanto, a produção inicia com Beth já na fase adulta, momentos antes da grande disputa com o campeão mundial russo Borgov, e retorna ao início da jornada da personagem, criando um looping na mente do espectador.

Por ter uma personalidade contida, a personagem na infância acaba se utilizando dos meios para abafar os sentimentos do peito, que, mais tarde, com o auxílio dos narcóticos, estimulado pelo próprio orfanato, vem à tona em uma intensidade extrema. O primeiro deslize da produção talvez possa se apoiar nesse ponto. A relação entre Beth e o tabuleiro de xadrez acontece de modo bastante rápido. Mesmo que sua aprendizagem aconteça quase que por osmose, alguns minutos separam o primeiro contato e o afeto profundo pelo jogo.

No decorrer da trama, o roteiro parece superar esse pequeno impasse e se mostra bem amarrado e articulado. As cenas das partidas com o zelador, do cotidiano no orfanato e até mesmo após sua adoção são revestidas de prudência e perspicácia. O enredo se torna completamente envolvente e é indispensável acionar o play no “próximo episódio”.

A escolha do figurino e da maquiagem dos personagens são pontos de grande destaque. O espectador é convidado a entrar em uma máquina do tempo a fim de visitar o cotidiano visual dos países nas épocas passadas. Porém, o segundo deslize situa-se justamente em uma vertente desse assunto. Embora o trabalho dos profissionais responsáveis pela função tenha sido notável, é possível perceber uma imprecisão na aparência da protagonista no início e no decorrer de sua adolescência. Os traços de Taylor-Joy conseguiram escapar do trejeito, da postura um pouco encurvada da personagem e do corte de cabelo usado na infância posta sobre ela.

A fotografia e o corte foram aplicados de modo preciso a ponto de parecer quase impossível desgrudar os olhos da tela. Mas isso tudo não seria praticável sem a excelente entrega de Anya ao papel. A atriz mostrou impecavelmente o motivo de ter sido escolhida para interpretar Beth e ajudou a consolidar a série.

A escolha do elenco secundário também foi feliz. Thomas Brodie-Sangster, Harry Melling, Moses Ingram e Marielle Heller adicionaram e muito emoção à trama.

Além disso tudo, a garra e o suspense da personagem nos torneios de xadrez com inúmeros oponentes em todo o mundo, juntamente à trilha sonora, em grande parte instrumental, terminam por cativar totalmente o público. Desbravando novos horizontes e rompendo barreiras, Beth vai muito mais além de uma partida de xadrez e triunfa ao exalar o empoderamento feminino e a representatividade perante a um meio praticamente dominando pelo patriarcado.

A história ainda reforça a importância da amizade e do companheirismo, e traz questionamentos sobre o estabelecimento de prioridades. Somente com isso, Beth consegue obter êxito sobre a pena de sua genialidade.

O Gambito da Rainha é um presente para os amantes do xadrez e um estímulo para os leigos. No encerrar da última cena, somos despertados a levantar do sofá para procurar aquele velho tabuleiro de xadrez, que há tempos recebe poeira em algum canto da casa.

Nota: 9

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