Crítica | ‘Palm Springs’ é a melhor comédia romântica do ano

Vira e mexe a comédia romântica surta e nasce um filme diferentão, que usa e abusa das artimanhas do gênero para entregar algo criativo e fora do habitual, como acontece com o original ‘Palm Springs’, uma perfeita mistura de ‘Feitiço do Tempo’ com ‘A Morte Te Dá Parabéns’, porém, ainda mais cínico e eficiente em usar a ficção científica para desconstruir a narrativa convencional. Plenamente consciente de suas presepadas e peculiaridades, o roteiro foca na relação do casal protagonista e como o tempo se torna algo relativo, repleto de metáforas e que, felizmente, não gasta sua energia na tentativa de explicar os motivos de haver uma fenda temporal no meio do deserto ou mesmo para deixar claro quanto tempo o protagonista vive nesse loop. Esses detalhes não são importantes e, através disso, a trama engrena de uma forma espetacular e totalmente divertida.

Os mistérios do tempo são ótimos elementos para se desenvolver tramas de suspense e roteiros perspicazes, cujas narrativas sabem desconstruir a forma tradicional de fazer cinema. Quando bem realizados, são filmes absolutamente envolventes e que exploram muito mais as possibilidades do que uma trama linear. Sabendo disso, o diretor novato Max Barbakow entrega uma história surtada e deliciosa de ser acompanhada, especialmente por conta da dupla Andy Samberg (Brooklyn Nine-Nine) e Cristin Milioti (Modern Love), que possuem uma química fantástica juntos e passam a sensação de que estão se divertindo tanto quanto o espectador. O humor do filme é ágil, eficiente e sem exageros, completamente condizente com a proposta e com nuances de loucura, que uma trama sobre loop temporal tem total liberdade de fazer. Existe até mesmo o cansaço provocado pelo grande número de cenas repetidas e é proposital para que o espectador se sinta aprisionado naquele universo em que toda vez que você dorme, o dia reseta e tudo começa outra vez. E outra vez e outra vez.

Quando nos situamos no contexto da trama e deixamos de buscar por respostas, a jornada é mais intrigante e curiosa, já que algumas explicações sobre a relação dos personagens e a dinâmica do loop são entregues aos poucos. Além da química do casal, a relação do protagonista com o ator J. K. Simmons (Homem-Aranha Longe de Casa) é um dos pontos altos do filme e diverte naturalmente, sem precisar de muito esforço. Aliás, Simmons está incrível, medonho e irônico, como de costume. Fora isso, a parte técnica também é boa e as soluções visuais para as constantes mortes dos personagens lembram bastante a pegada absurda de ‘A Morte te Dá Parabéns’, que certamente serviu de inspiração. Como uma boa comédia romântica, a trilha sonora é marcante e há as tão utilizadas idas e vindas do casal, já que sua relação é construída aos poucos e de forma que possamos nos importar, tanto com eles de forma individual, quanto com seu relacionamento através do tempo.

Ainda que a proposta seja leve e romântica, parecida com filmes como ‘Questão de Tempo’, há ótimas mensagens sobre a validade da vida e a duração de nossas escolhas, especialmente pela eficiência do roteiro de não entregar um casal clichê sem nuances, como vemos em filmes da Netflix atualmente. Há diversas camadas e os personagens tomam decisões contestáveis, o que os tornam mais palpáveis e humanos. Até mesmo o amor, desenvolvido pela convivência, tem seus altos e baixos que são explorados e evidenciados pela premissa. Em certos pontos, não estamos torcendo para que eles fiquem juntos e isso mostra o quão bom é o desenvolvimento dos personagens de forma solo, algo muito raro em um filme desse gênero. É só mesmo por conta de algumas repetições cansativas e um ritmo que enfraquece levemente da metade para o final, que impede o filme de ser impecável.

Com seu roteiro criativo e engenhoso, ‘Palm Springs’ é facilmente a melhor comédia romântica do ano e um filme tão delicioso de ser assistido, que fica com você por bastante tempo. Uma perfeita batida de gêneros que funciona com bastante eficiência, que diverte e emociona, que intriga e distrai e que bizarramente dialoga com o período solitário e repetitivo de isolamento social em que vivemos, sendo um entretenimento caloroso e indispensável. Com tanta demanda de produção para streaming nesse ano, é um alívio saber que obras criativas ainda estão sendo feitas.

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