Crítica | ‘Disforia’ é uma obra estranha, confusa e diferente do habitual

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Os mistérios da mente sem dúvida são ótimos objetos de estudo do cinema contemporâneo. Tramas sobre loucura e doenças mentais costumam dar um nó em nosso raciocínio e não é diferente com o drama nacional ‘Disforia’, obra do cinema gaúcho que intriga enquanto desenvolve uma história repleta de elos e caminhos, que se constrói junto com o espectador conforme mergulhamos no íntimo dos personagens. O mais próximo desse tipo de obra, que se desenvolve sem pé nem cabeça em um mundo único e imaginativo, são os filmes do cineasta David Lynch, conhecido por brincar com todas as possibilidades possíveis e despreocupado se algo irá fazer sentido. Bem, dessa fonte criativa certamente o diretor Lucas Cassales (O Corpo) se embriagou para criar a atmosfera de sua obra.

Com longas tomadas contemplativas e uma super valorização dos momentos de silencio, o diretor cria uma atmosfera interessante de mistério enquanto apresenta o protagonista Dário (Rafael Sieg), um inquieto psicólogo que tenta superar um problema na família ao mesmo tempo que precisar tratar uma menina cuja família esconde um grande mistério. Dessa forma, duas histórias começam a ser desenvolvidas paralelas, até colidirem no desfecho. A ausência de respostas faz aumentar a expectativa por grandes revelações, algo que acaba não acontecendo com tanto vigor. Conforme o roteiro monta um quebra-cabeça e alimenta o clima intrigante, já que não sabemos ao certo o que está acontecendo na vida dos personagens silenciosos, mais aguardamos uma reviravolta à altura, acontece que, como o já citado Lynch, o diretor privilegia bem mais a jornada estranha e bizarra do que uma conclusão satisfatória.

O suspense psicológico é interessante, especialmente por haver pequenas inserções de momentos sombrios, como sonhos repletos de sangue, que lembram também uma vibe Stephen King, em especial, ‘Doutor Sono’, já que lida com os “poderes” da mente humana. Na verdade, a trama em sua superfície embola laços e confunde, mas nas camadas mais profundas é um curioso estudo sobre não pertencer, seja à um corpo ou mesmo à um lugar, sobre estar em um estado profundo de solidão e angústia, que habita o núcleo dos personagens, especialmente do protagonista. Sua jornada pela trama é um caminho de descobertas, de entendimento sobre si mesmo, que culmina em uma revelação interessante no final, mas que não chega aos pés da construção que estava sendo desenvolvida.

A ambientação em uma Porto Alegre desfocada e solitária, algo que é ainda mais ressaltado pela direção de fotografia lavada e pela trilha atmosférica, principalmente nos momentos de sonhos lúcidos, auxilia no envolvimento do espectador com a premissa, mas o roteiro e a direção estabelecem poucas conexões com o público, seja através do carisma dos personagens, que não existe, ou mesmo através da narrativa absurdamente lenta, que faz sentido dentro da proposta, mas que certamente irá afastar quem busca mais energia. Esse problema de ritmo é recorrente e faz a trama ficar demasiadamente arrastada. Talvez, para o cinema, a imersão pode ocorrer sem interrupções, mas para assistir em outras mídias o longa não prende como se poderia esperar, pelo menos não durante a grande maioria do tempo. Ainda assim, seu terror inesperado é uma surpresa agradável e a direção se torna ainda mais singular quando abraça a estranheza das situações, já que sua trama meio que não caminha para lugar algum.

Dessa forma, ‘Disforia’ é uma obra estranha, confusa e realmente diferente do habitual cinema sem nuances que vemos hoje em dia. Enquanto sua trama parece não dar em nada, a atmosfera de mistérios e sonhos lúcidos é fértil e intrigante. Há problemas de ritmo e o elenco engessado não mergulha na proposta sombria da história mas, de um modo geral, é um filme que merece atenção e que renderia uma chuva de vídeos sobre “final explicado” na internet. A proposta é curiosa e com um pouco mais de energia e substância seria um dos filmes nacionais mais próximos da filmografia de David Lynch até então.

‘Disforia’ estreia nas plataformas de streaming dia 26 de junho. O filme estará disponível no Net Now, Google Play, Itunes, Vivo Play, Looke, Youtube Filmes. O longa estreou nos cinemas no dia 12 de março, mas teve sua carreira interrompida devido à pandemia de COVID-19.

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