Crítica | ‘Você Nem Imagina’ é a mais ousada comédia romântica da Netflix

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Ainda que seja palco de muitos títulos de qualidade duvidosa, é inegável o compromisso da Netflix com a diversidade e com a representatividade. Filmes como a franquia romântica ‘Para Todos os Garotos’, protagonizado por uma atriz asiática, em épocas de movimentos sociais à favor de mais inclusão em Hollywood, abriram portas para que outros, como o lançamento recente ‘Você Nem Imagina’ (The Half Of It), pudessem atingir o público jovem com força. E põe força nisso, já que a comédia romântica avisa de imediato que “não é uma história de amor”, ainda que obviamente seja, mas essa decisão de seguir por caminhos não tão convencionais é assertiva na originalidade, elemento que estava em falta no gênero faz algum tempo.

A história de amor que não quer ser sobre amor segue os mesmos padrões já estabelecidos para o gênero: tem narração em off reflexiva, frases de efeito e personagens que vão se descobrindo ao longo de suas jornadas. Porém, o diferencial aqui é que, além de ser uma história realmente doce, a tal descoberta amorosa acontece de outra forma, uma ousada, interessante e que deixa a trama ainda mais rica, especialmente por ser um produto direcionado para os jovens, que aborda a juventude atual, ou seja, não poderia ter sido de outra forma senão essa. Como podemos ver, o tema central do roteiro é mesmo descoberta, seja de si mesmo, das pessoas à sua volta ou da sua sexualidade. Com isso, caminha por diversas situações em que os personagens centrais, que aqui são três, precisam compreender o que sentem e como querem ser vistos pelo mundo.

Além de escalar uma jovem atriz chinês-americana como narradora e protagonista de uma história tão doce, a diretora Alice Wu, aprofunda a personagem com bastante delicadeza e sensibilidade. Além de estar se autodescobrindo, aos 17 anos, Ellie Chu (Leah Lewis) precisa lidar com o distanciamento de seu pai após o falecimento de sua mãe, com amizades novas e com o fato de sofrer preconceito na escola por ser asiática. Todos esses conflitos são trabalhados com energia e servem para que possamos ter empatia pela personagem. Ainda que sempre séria, sem sorrir ou demostrar se divertir, há uma alma radiante dentro de si, trancada no mesmo armário que esconde o medo de ser ela mesma. A performance de Leah Lewis (Nancy Drew) é ótima e faz jus a toda essa gama de sentimentos oprimidos. E o personagem Paul (Daniel Diemer) é o oposto. Divertido, agitado e radiante, sua personalidade solar completa o que falta na de Chu e essa dinâmica é muito boa.

Na outra ponta da história, temos Aster Flores (Alexxis Lemire), descrita por todos como a mais bonita da escola e, ainda na missão de quebrar alguns estereótipos, o roteiro mostra o seu lado mais frágil, mostra que sua beleza não significa felicidade e, assim como Chu, também precisa lidar com o fato de ser imigrante. Aliás, é perspicaz como o roteiro mostra que ser latina é sinônimo de beleza, mas ser asiática é motivo de piada. Essas sutilezas e críticas sociais são muito bem-vindas e não passam despercebidas. Como se não bastasse, ainda há espaço para fazer um interessante debate sobre ser da comunidade LGBTQ+ e ser religioso, e como se aceitar, nessas condições, se torna duas vezes mais conflitante. Essa vertente da trama é riquíssima e, de longe, a decisão mais ousada e honesta do filme. Mas, apesar de abordar temas mais sérios, o humor está bom, em segundo plano a maior parte do tempo, mas diverte exatamente por ser inserido de forma natural.

Ainda que seja um filme acima da média por tomar decisões diferentes, obviamente, ainda é uma comédia romântica adolescente, ou seja, há uma trilha sonora pontual e moderna, há cenas exageradas e forçadas, apenas para gerar conflitos, há previsibilidade em algumas subtramas e, de forma geral, acaba caindo em conveniências do gênero, que poderiam ter sido mais inteligentes, como uma linda cena, em que duas personagens estão em um lago que, apesar de realmente doce e profunda, aconteceu apressadamente. Fora que, quando o roteiro pode ousar sem medo, dá pra trás e escolhe lidar apenas com as sutilezas e intenções. Ainda assim, nada que atrapalhe tanto a experiência, já que esses elementos já são esperados, mesmo que tenham algumas surpresas no final. O que começa melado como ‘Para Todos os Garotos Que Já Amei’, termina deliciosamente como ‘O Mau Exemplo de Cameron Post’.

Com tudo isso, ‘Você Nem Imagina’ tem bastante conteúdo e toca em temas importantes com sensibilidade. É, de longe, uma das melhores e mais ousadas comédias românticas da Netflix. Um frescor total ao gênero, que estava se tornando defasado por idealizar um jovem dos anos 1990 que não existe mais. Esse é um filme verdadeiramente atual, com conflitos e dilemas atuais, sobre jovens que estão se descobrindo enquanto descobrem as possibilidades infinitas do mundo. É garantido uma viagem bem deliciosa e saudosista à nossa adolescência e a montanha-russa que é descobrir o amor.

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