Centralizar uma trama em um protagonista é uma tarefa que exige muita cautela, afinal, não são todos que seguram um filme nas costas com perfeição, como faz a atriz Samara Weaving (Guns Akimbo) no hilário ‘Casamento Sangrento’ (Ready or Not), que acaba de chegar ao Brasil pelo Telecine Play. Além de servir como peça fundamental para o desenvolvimento da história, sua personagem é tão bem trabalhada, que passa pelas mesmas nuances de estranhezas que o espectador, quando se vê em um jogo sádico de gato e rato em uma mansão, onde precisa se esconder e lutar para sobreviver enquanto a família rica de seu recente marido a quer morta antes do amanhecer. A caçada, ainda que sangrenta, gráfica e intensa, se diferencia de tantos outros filmes por seguir um viés mais cômico e satírico, que funciona na proposta.
Esse ótimo casamento do humor com elementos de suspense e terror é equilibrado e, na grande parte do tempo, um complementa o outro, seja pelo deboche da protagonista ou por apresentar uma seita satânica de forma hilária e destrambelhada, completamente aposta ao clima obscuro e maligno de outras, como a vista em ‘Hereditário’, por exemplo. Ou seja, o roteiro é eficaz em fazer rir das situações macabras e pesadas, deixando o clima da história mais leve. Tarefa difícil, mas bem realizada aqui. Até mesmo o excesso de personagens e o suspense bem trabalhado pela direção, fazem o filme se aproximar de outros bons, como ‘Entre Facas e Segredos’, exemplo recente de roteiro ágil, eficaz e inteligente. Com uma premissa interessante em mãos, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (O Herdeiro do Diabo) conseguem aproveitar seus personagens e fazer a história caminhar para frente, mesmo se passando em um único cenário soturno.
Como já citado, a atriz Samara Weaving segura a trama e se entrega como poucas final girls recentes, sem contar que tem um ótimo timing cômico, que agrega a personagem carisma e empatia. Fora ela, a atriz Andie MacDowell (Feitiço do Tempo) é a que mais se destaca, ao viver a mãe da família, ainda que Adam Brody (The O.C.) tenha bons momentos. Já na parte divertida, Melanie Scrofano (Jogos Mortais VI) vive o alívio cômico desnecessário, que até provoca risos de nervoso, mas que está em um nível de comédia abaixo dos demais, ainda assim, nada que possa afastar o espectador da trama, exatamente pela ótima construção de suspense e pela narrativa misteriosa e envolvente, que permeia o desenvolvimento da história.
Muito se fala do humor, mas o lado sombrio e gore também é bom, inclusive, algumas sequências da protagonista precisando lutar para sobreviver são intensas, violentas e certamente deixam o espectador na ponta da cadeira. Agora, sobre profundidade, a trama não busca fazer nenhuma crítica social, algo que faz falta, tendo em vista o roteiro criativo. Aqui, a única mensagem é que ricos são excêntricos, não espere nada mais profundo que isso, como acontece em ‘Corra!’, por exemplo. Essa ausência de crítica, sem dúvida, é um desperdício de potencial. Aliás, há também elementos fantasiosos no final, que podem fazer o público, que busca um filme de sobrevivência mais verídico, terminar decepcionado. Ainda que a presença da fantasia em questão contribua bastante para esse lado sínico e debochado, que faz o filme ser singular, a simples aparição de um personagem bastante citado acaba ultrapassando os limites.
Dessa forma, com roteiro criativo e bom humor, ‘Casamento Sangrento’ não se leva à sério, mas entrega uma trama envolvente, divertida e violenta ao mesmo tempo. Um filme bem diferente dessa safra de histórias genéricas e que, certamente, irá agradar quem gosta de comédia com terror. Samara Weaving vive uma protagonista absolutamente ótima e debochada, que carrega nas costas a trama. Além disso, a direção sabe casar o obscuro com o cômico e, de lua de mel, serve um banquete extravagante de bizarrices.