Crítica | ‘O Poço’ é o filme mais original e sádico da Netflix

Publicidade

Originalidade sem dúvida é a palavra ideal para descrever a ousada trama de ‘O Poço’ (El Hoyo), thriller psicológico espanhol que chegou à Netflix. Muito além disso, o roteiro funciona como uma perfeita alegoria para diversos temas, como a desigualdade social, a luta de classes e a fome. Sendo o terror, um gênero que consegue trabalhar elementos sociais através do uso da violência, do sadismo e da ironia, o longa absorve esse poder de persuasão para instigar o espectador como poucos filmes atuais conseguem fazer. Mas a reflexão proposta não acaba se perdendo dentro do grotesco e sangrento ambiente sombrio proposto pelo filme? Bem, em partes, sim.

De fato, dosar o nível de gore com perfeitas críticas sociais é uma tarefa árdua e muita das vezes mal sucedida. Se pegarmos ‘Corra!’, por exemplo, é visível que o diretor Jordan Peele consegue desenvolver uma trama que causa empatia ao público, que assusta e apavora, mas que também toca nas feridas da sociedade. Já o roteiro de ‘O Poço’, acaba se apegando excessivamente a violência gráfica, algo que pode destoar de seu objetivo, mesmo que o uso de sangue e diversos outros elementos sinistros sirvam para a construção astuta do suspense, feito com muita energia pelo diretor Galder Gaztelu-Urrutia, já que a história, em si, é simplista em mostrar a vida de um homem que acorda em uma espécie de prisão com vários andares. Uma vez por dia passa uma mesa repleta de comida por cada um dos andares e os presos possuem apenas poucos minutos para comer. Como os prisioneiros do topo desse lugar recebem mais comida, conforme a plataforma desce, menos e menos comida sobra para os demais. E é esse jogo sádico e bizarro que agrega singularidade à obra.  

Similar a outros filmes com experimentos sociais, como ‘The Belko Experiment’ e ‘Jogos Mortais’ e uma espécie de “versão vertical” do ótimo ‘Expresso do Amanhã’, a narrativa se intensifica conforme o protagonista, vivido por Ivan Massagué, que entra na prisão como voluntário, decide driblar as regras do lugar para tentar mudar o sistema. Em meio a tantas metáforas e referências bíblicas, até mesmo sobre gula e os pecados capitais, o texto é rico em soltar seus mistérios e não se preocupa em dar respostas, aliás, esse não é o tipo de história que costuma entregar tudo mastigado, sendo que muitas perguntas devem ficar para reflexão e interpretação pessoal, algo que sempre frustra grande parte dos espectadores, mas igualmente agrada uma parcela que compreende o objetivo central da obra e a relaciona com referências pessoais. Não é difícil de ser compreendido, mas é inteligente em dar conteúdo para ser raciocinado após a sessão.

O elenco é essencial para que o impacto seja entregue, com isso, Ivan Massagué tem uma performance excelente como o sofrido protagonista, que, aliás, parece ter sido construído sob a imagem de Dom Quixote (até mesmo o objeto que escolhe levar para o lugar é um livro do personagem), assim como o ótimo trabalho emocional de seus colegas Zorion Eguileor e Emilio Buale. Além disso, o design de produção do longa é fantástico ao criar um ambiente macabro, frio e sombrio, ressaltado pela direção de fotografia escura e que passa a perfeita sensação de angústia e solidão. Os cenários são pequenos e simples, mas eficazes na proposta de serem claustrofóbicos e intrigantes, já que mesclam um ar futurista interessante, que deixa o espectador no escuro em relação a temporalidade.

Interessante que um filme como ‘O Poço’ tenha sido lançado em época de distanciamento social, já que parte de sua trama é exatamente sobre ter empatia e solidariedade pelo próximo e, com isso, utiliza interessantes metáforas para mostrar os diferentes níveis da desigualdade social. Porém, o thriller psicológico acaba sendo tão profundamente sádico e perverso, que sua mensagem principal pode parcialmente se perder pelo excessivo uso de sangue, canibalismo e violência. Ainda assim, em todas as camadas que a trama percorre há debates que permanecem em nossa mente por bastante tempo. Sem dúvida, um dos filmes mais originais e provocativos da Netflix em anos.

Pra quem não entendeu o final, explicamos tudo aqui.

Última Notícia

Mais recentes

Publicidade

Você também pode gostar: