Crítica | Entre Realidades – O filme da Netflix que vai dar um nó em sua mente

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Há roteiros que são um verdadeiro estudo psicológico e personagens tão complexos, que o simples ato de assistir o filme se torna um mergulho profundo em nosso autoconhecimento. Trabalhar com a temática da loucura é um desafio enorme e, o que no papel pode ser um obra prima, pode dar muito errado na prática, afinal, há uma certa relutância do espectador em se identificar com protagonistas que não sejam, em tese, um reflexo de nossas atitudes. Por conta disso, filmes protagonizados por anti-heróis são tão polêmicos e personagens que beiram a loucura raramente são o foco central de uma obra, algo que subverte completamente no drama da Netflix ‘Entre Realidades’ (Horse Girl), cuja premissa é mostrar a jornada de solidão e paranoia de uma personagem e, assim como em filmes como o clássico suspense ‘Donnie Darko’ e o terror ‘Distúrbio’ (Steven Soderbergh), trabalha a conexão entre a loucura, o sobrenatural e elementos de ficção científica.

Obviamente, não é uma trama fácil e mastigada como as convencionais e qualquer deslize se torna visível com facilidade, exatamente por necessitar de mais paciência do espectador com seu ritmo lento e maior envolvimento, afinal, uma vez que embarca na proposta estranha e peculiar do longa, dificilmente ele não vai te intrigar. A trama acompanha a vida solitária de Sarah (Alison Brie), uma mulher sonhadora e socialmente desajeitada. Apaixonada por artes, cavalos e programas de TV sobrenaturais, ela percebe que seus sonhos estão cada vez mais lúcidos e passa a se perguntar o que seria realidade e o que seria ilusão. Seria ela uma viajante do tempo? Ou estava sendo abduzida por extraterrestres todas as noites? Ou ainda mais bizarro: em vidas passadas, ela teria sido um cavalo? Essas perguntas são colocadas em nossa mente ao longo da trama e, assim como a personagem, somos levados a uma zona da imaginação onde precisamos juntar as pistas para ter respostas que façam sentido.

Para começar a se envolver e ter a melhor experiência possível, tenha em mente que esse não é o tipo de filme que vai lhe dar respostas com a mesma frequência que coloca as perguntas em jogo. Parte do roteiro e da direção de Jeff Baena (The Little Hours) é sustentado pelo objetivo de causar confusão, brincar com as possibilidades e provocar nossa sanidade. Alguns questionamentos nem ao menos terão resoluções e ficam para interpretação individual. Isso, sem dúvida, pode afastar um público da Netflix que não busca tanto comprometimento. Superado esse obstáculo, há camadas interessantes no roteiro, desde como lidar com doenças da mente, até solidão e introspecção, já que a protagonista é tímida e reclusa dentro de seu próprio universo. Aliás, o trabalho de atuação da carismática Alison Brie (GLOW) é espetacular, genuíno e carrega a trama, que por vezes se afasta dela em momentos de maior insanidade, no segundo ato, mas que estabelece, desde o começo, uma narradora confiável dentro de sua verdade, seja ela absurda ou não. Além disso, o humor funciona perfeitamente com a intensidade da atriz.

O suspense e a paranoia que se constrói com os lapsos temporais e os sonhos confusos da personagem ajudam a manter a narrativa em alta, mesmo com o ritmo se tornando cada vez mais lento. Até mesmo elementos de terror são lançados, ainda que pouco desenvolvidos. Se por um lado, a direção trabalha de forma intrigante e entrega apenas o necessário para bugar nossa mente, por outro, há tantos subgêneros sendo explorados e tantas coisas sendo desenvolvidas simultaneamente, que se torna ainda mais complicado e, gradativamente desanimador.

Ainda assim, ‘Entre Realidades’ é inesperadamente engraçado e intrigante, um passeio insano e provocativo que, ainda que seja confuso pela ausência de respostas e tenha problemas no ritmo, brinca com as possibilidades como poucos roteiros atuais. Alison Brie tem um ótimo desempenho, tanto na comédia quanto no drama, e sua atuação envolvente dá um pouco a mais de carisma para filme. Certamente não agradará todos os públicos e isso sempre será um problema desse tipo de filme que, na tentativa de ser sofisticado e elaborado, acaba esquecendo de desenvolver uma conexão com o espectador, porém, instiga a curiosidade e fica na mente por algum tempo, poucos filmes originais da Netflix provocam isso. Não é mesmo?

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