Crítica | ‘A História de Um Casamento’ é sobre não deixar de amar

Trabalhar as nuances de um sentimento que não é preto no branco é um desafio. O amor possui escalas de intensidade e encontrar o perfeito equilíbrio entre o real sentimento palpável e o idealizado, não é para muitos realizadores. O doce mergulho na romantização exagerada normalmente é o caminho mais fácil em Hollywood, agora, mostrar a veracidade de relações amorosas, isso sim costuma vir de projetos peculiares, como acontece com essa maravilha em forma de longa-metragem chamada ‘A História de Um Casamento’ (Marriage Story), obra original da Netflix que não tem medo de evidenciar todas as fases que cercam a morte de um sentimento entre duas pessoas.

Na verdade, é a história de um divorcio e a burocratização que um casal precisa passar para encerrar uma relação desgastada. O amor, como um todo, ainda existe dentro deles e o roteiro original, simples e eficiente segue a triste jornada de encerramento de um acordo. Na trama, um diretor de teatro renomado e uma atriz, possuem um filho e uma relação que nasceu dentro do trabalho. Porém, com o passar dos anos, o relacionamento esfria e ambos decidem seguir caminhos diferentes. Durante o processo de divórcio, brigas desgastantes e mudanças de cidades põe a prova o amor que ainda nutrem um pelo outro. O primeiro e grande acerto do filme é não apontar culpados e não vilanizar ou estereotipar seus personagens, mas sim, nos fazer ter afeição e empatia por ambos, o que torna o passeio pela sua dor ainda mais emotivo.

Assim como em ‘500 Dias Com Ela’, filme de 2009, o foco da trama não é mostrar o final feliz de uma relação, porém, diferente desse, ‘A História de Um Casamento’ é sim uma história de amor convencional, o amor verídico e construído em seus mínimos detalhes. Logo no começo, há uma carta que o casal precisa ler sobre as qualidades um do outro e a narrativa utiliza essa artimanha para apresentar seus protagonistas em sequências inteligentes e ricas em detalhes sobre o cotidiano de cada um. O humor também segue o caminho natural e explora o lado rotineiro e humano, sem exageros ou tentativas falhas de causar graça, sendo perfeitamente equilibrado com o drama no melhor estilo dramédia possível, auxiliado pelo ritmo perfeito em que a história é dissecada.

Além da beleza natural do texto, a direção de Noah Baumbach, de ‘Frances Ha’ e ‘Enquanto Somos Jovens’, possui o olhar essencial sobre a relação do casal e sabe exatamente o que deve ser explorado. Planos longos e sem cortes, câmera na mão e closes mostram a intimidade da família, como se nós fossemos intrusos invisíveis que estão sentados apenas observando o que acontece entre quatro paredes. É imersivo e cativante como o diretor consegue nos colocar tão profundamente inseridos na realidade dos personagens e na melancolia do momento em que estão vivendo, até mesmo realçada pela fotografia lavada e a trilha sonora que remete a filmes antigos. Sem perceber, lágrimas escorrem pelo rosto como se estivéssemos em uma sessão aberta de terapia ou assistindo uma videoaula sobre a dificuldade de desapegar de alguém que antes costumava ser tão importante.

Como se não fosse possível ficar ainda melhor, a dupla queridinha dos blockbusters Scarlett Johansson (Vingadores: Ultimato) e Adam Driver (Star Wars: A Ascensão Skywalker) abaixam completamente a guarda e mostram a simplicidade e o poder conjunto da atuação. Tanto a química entre eles quanto seus olhares e gestos solidificam ainda mais a naturalidade da relação, algo semelhante à dupla da trilogia ‘Before’, de Richard Linklater. E olha que não há uma cena sequer de beijo no filme, ou seja, a entrega de ambos envolve, emociona e diverte com tamanha destreza, sem partir para a tão clichê apelação do gênero. Além disso, Laura Dern (Big Little Lies), apesar de viver sempre o mesmo padrão de personagem, deve vir forte na temporada de premiações como coadjuvante.

Dessa maneira, ‘A História de Um Casamento’ não é sobre o amor em si, mas sim, sobre não deixar de amar. É um daqueles filmes que atropela seu emocional e permanece com você por muito tempo. O elenco é sólido e deslumbrante, o roteiro, apesar de simples, desenvolve com perfeição uma relação de afeto com o público e a direção enxerga o amor em seus pequenos detalhes. No final da jornada dolorosa pelo divórcio, é inevitável não torcer para que o casal possa encontrar a felicidade. É cativante testemunhar algo tão belo, como a paixão, morrer lentamente até se transformar na chave que vai abrir outras portas. Apesar dos deslizes, a Netflix encerra o ano com um dos seus melhores filmes até hoje.

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