Crítica | Dora e a Cidade Perdida – Puro entretenimento e diversão sem medo de suas origens

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A capacidade de rir de si mesmo é uma dádiva para poucos. Quando um projeto ganha forma e seu público alvo precisa ser definido, é daí que surgem boas histórias e histórias que simplesmente não se encontram. Há filmes que decidem não arriscar e seguir o caminho mais “natural”, porém, outros compreendem que sua trama absurda irá funcionar melhor se não se levar à sério. E é exatamente por isso que ‘Dora e a Cidade Perdida’ (Dora and the Lost City of Gold), adaptação para os cinemas em live-action da animação ‘Dora, a Aventureira’, produzida pela Nickelodeon, surpreende e funciona tão bem dentro da sua proposta, por não ter o menor medo de assumir suas breguices e ainda utilizá-las como alavanca para criativas piadas dentro do mundo peculiar da protagonista, que existe na cultura pop desde 1999.

Convenhamos que trabalhar com o infantil abre um número maior de possibilidade de não ser um projeto que se leve a sério, no entanto, é difícil equilibrar um humor que possa atingir tanto as crianças, já familiarizadas com a personagem, quanto os pais e adultos, que certamente assistem uma cena ou outra da animação na TV. E isso o filme faz tão bem quanto a Pixar, sem a carga emocional, claro, mas com o humor interessado em agradar todos os públicos, em especial, aqueles que já possuem um conhecimento prévio da animação. Vai sacar as referências, se for criança, ou rir delas, se for adolescente/adulto. Ou seja, o roteiro é perspicaz, conhece seu objetivo e se diverte com as possibilidades que a história abre com a linguagem cinematográfica, como a quebra da quarta parede, por exemplo, que se torna hilária nessa mídia.

Mas nem tudo é uma maravilha, ainda por se tratar de uma história totalmente escapista e voltada para o publico infantil, o roteiro cai em diversas conveniências, furos e “quanto menos perguntar melhor”, já que usa e abusa de elementos como “deus ex machina” e “MacGuffin”, ou seja, um dispositivo do enredo que serve para mover a história para frente sem, de fato, ter alguma importância no final, nesse caso, a tal da “Cidade Perdida” do título. A premissa é genérica e os caminhos dramáticos que a trama escolhe seguir são previsíveis e clichês, apesar de saber aproveitar as situações absurdas para fazer boas piadas, há também as piadas que não decolam, pelo contrário, algumas até arrastam o filme para um nível inferior ao bom humor que estava sendo desenvolvido, com piadas sobre fazer coco e peidos, grande parte por conta dos adultos da história, todos altamente infantilizados, nem mesmo o divertido Michael Peña (Homem-Formiga) consegue algum destaque.

Por outro lado, Isabela Merced (De Repente Uma Família) rouba a cena e se prova a escolha ideal para o papel da Dora. A jovem compreende o ritmo do humor da personagem e entrega um trabalho bom, dentro do possível. Assim como em  ‘Encantada’, da Disney, a personagem tem uma positividade exagerada, sorriso largo e a inocência ideal para ser um exemplo infantil na televisão, porém, como no cinema esse caráter educativo seria um risco, a genialidade habita a adaptação, que trouxe uma Dora mais astuta, inteligente e realista dentro do contexto. Ela mesma diz em determinado momento “não sou idiota!” e essa é uma liberdade que apenas o cinema pode ter. Já os demais personagens, rasos e estereotipados, não ajudam e nem atrapalham, mas a química é boa e possuem seus pontos de destaque durante a jornada da protagonista e, fora os vilões onipresentes e mal desenvolvidos, servem como alívio cômico em conjunto.

Dentro da proposta, outro que compreende o tipo de filme que está sendo realizado é o diretor James Bobin (Alice Através do Espelho, Os Muppets), já experiente no assunto após alguns trabalhos com a Disney. Talvez a liberdade criativa que obteve lhe fez bem, já que a direção é condizente com a aventura. Cortes rápidos para dar o time do humor, planos gerais pelas florestas, boas sequências de ação no estilo ‘Jumanji: Bem-vindo à Selva’ e ainda arruma espaço para fazer um crossover com a animação, que traz alguns personagens icônicos (como a mochila falante e o mapa) para as telas, somente possíveis dessa forma, já que o contexto visa o mais próximo do realismo, fora uma cena musical alto-astral e colorida que encerra com chave de ouro.

Dessa forma, ‘Dora e a Cidade Perdida’ surpreende por ser uma adaptação plenamente consciente de suas origens e destemida, em uma indústria cinematográfica que tem medo de se assumir brega quando o assunto é simplesmente entreter. O filme, imperfeito, abraça suas peculiaridades e consegue rir de si mesmo sem pretensão de ser algo que não é. Certamente agradará todos os públicos, já que sabe equilibrar seu humor entre o infantil e o criativo e se mostra, talvez, a grande surpresa positiva desse ano.

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