Se você jogar uma pedra em uma árvore de Hollywood, é bem provável que caia uma chuva de filmes sobre a lenda do lobisomem. A maioria segue praticamente o mesmo caminho narrativo, tornando essa história tão característica algo previsível desde que O Lobisomem (1941) — um dos clássicos mais importantes dos Monstros da Universal — estreou nos cinemas. A verdade é que, a essa altura, ninguém espera mais nada surpreendente vindo desse tema. Mas não há nada mais empolgante do que ser pego de surpresa, não é? Afinal, histórias permanecem apenas histórias… até que alguém engenhoso e criativo as transforme.
E Leigh Whannell (também conhecido como o protagonista de Jogos Mortais) é um desses talentos que sabe como subverter fórmulas, modernizar narrativas e assustar sem cair no clichê. Lobisomem, agora nas mãos da Blumhouse, é a definição de desespero em forma de suspense. O filme entrega uma experiência imersiva que presta homenagem ao clássico, mas não se esquece de trazer um olhar fresco e inovador. Assim como o atual Nosferatu de Robert Eggers, este remake acerta ao ser subversivo, ousado e criativo — e, acima de tudo, de dar medo.
Os acertos e erros do filme
Whannell – com anos nesse meio – entende que filmes sobre homens que se transformam em lobos costumam cair no caricato. Por isso, decide explorar aspectos mais sutis e pouco abordados dessa lenda animalesca, e toma bastante liberdade criativa. Assim como fez no excelente O Homem Invisível, o diretor utiliza a parte técnica como uma ferramenta para impressionar. O design de som é um espetáculo à parte, construindo uma atmosfera de medo e pânico tão imersiva que até compensa uma trama simples e um roteiro relativamente ingênuo. E quando você acha que sabe para onde a história está indo, o filme muda de direção, mostrando escolhas inventivas, mesmo sendo direto e sem rodeios.
Lobisomem também construir um drama familiar que aprofunda os conflitos entre um casal e sua filha mais nova, uma dinâmica paterna, como vemos em franquias como Sobrenatural. Esse foco emocional enriquece a narrativa, fazendo com que o público possa se importar com os personagens e seus dilemas morais. O enredo traz diversas alegorias sobre o “monstro” que ronda a casa onde a família decide passar as férias nas montanhas, em busca de superar o casamento em decadência. Mas a grande pergunta que surge é: o que é mais perigoso, o que está lá fora ou o que habita dentro da casa? O mistério está nisso.
O elenco pequeno é um acerto à parte. Julia Garner dipensa apresentações e Christopher Abbott entrega uma atuação sinistra, dando vida a uma versão mais protetora e passional do lobisomem, sem perder a selvageria e o gore característicos da criatura. Um dos pontos fortes, sob a visão de Whannell, a licantropia é uma fusão maluca entre Pé Grande com uma doença contagiosa inspirada em lendas nativo-americanas, conhecida como “cara de lobo”, e não uma “maldição”. A transformação — ponto alto de qualquer filme desse gênero — é criativa, nojenta, divertida e, surpreendentemente, bastante plausível. E ah, tudo feito com efeitos práticos, uma maravilha.
Os movimentos de câmera também são criativos e elevam o filme a um patamar cinematográfico impressionante. Até mesmo nas cenas mais simples, a direção faz uso ousado de planos-sequência e movimentos de câmera giratórios, que nos imergem completamente no universo da criatura. Em determinados momentos, som e fotografia também são alterados para refletir essa perspectiva, criando uma experiência visual que, embora propositalmente sombria, por vezes exagera na escuridão, dificultando a compreensão do que está em cena. Além disso, o filme é apressado demais e mostra muito mais das criaturas do que deveria.
Apesar disso, as paisagens de Oregon são transformadas em cenários deslumbrantes e isolados, com florestas que evocam a atmosfera sinistra de A Bruxa de Blair, como se algo estivesse sempre à espreita, no melhor estilo “terror de cabana”. A maneira como o filme esconde e revela gradualmente a imagem do monstro intensifica a tensão, tornando tudo ainda mais perturbadora e inquietante.
Essa direção inventiva, aliada à atmosfera opressiva, potencializa o impacto do suspense. Mesmo sem recorrer aos clichês clássicos como a famosa lua cheia ou balas de prata, o filme constrói um horror que prende o espectador na ponta da cadeira, da sequência de abertura até o desfecho. A tensão não vem apenas do monstro, mas também da casa e de tudo o que ela simboliza.
Veredito
A engenhosidade e a criatividade de Leigh Whannell transformam Lobisomem em uma experiência aterradora e repleta de boas ideias. Focado no aspecto mais doentio da lenda, o filme subverte clichês e realiza o que parecia impossível: introduzir novidades enquanto presta uma homenagem ao clássico da Universal. Com uma trama simples e direta, que abraça sem medo o gênero do terror, o longa torna o monstro mais humano e, ao mesmo tempo, mais perturbador.
A abordagem singular e a impressionante qualidade técnica elevam a produção, compensando alguns deslizes narrativos. Tenso, sombrio, selvagem e frenético, Lobisomem é uma releitura moderna que revitaliza e enriquece o legado do cinema de lobisomens.