Crítica | Clube Zero – Filme para quem tem estômago forte

O cinema que busca incomodar nem sempre atinge seu cerne. Às vezes, a crítica social desejada na obra se dilui em seu conceito, seja ele mais complexo ou explícito. No entanto, a capacidade de provocação é uma das virtudes do cinema, capaz de cutucar as feridas da sociedade em meio à escuridão da sala, onde o espectador é compelido a refletir, mesmo que sua absorção seja limitada ou suas convicções discordantes. É um ato de coragem criar filmes que sejam verdadeiros manifestos, e é exatamente isso que Jessica Hausner se propõe a fazer com seu mais recente projeto, Clube Zero, prestes a chegar ao Brasil pelas mãos da Pandora Filmes.

Os acertos e erros de Clube Zero

É difícil afirmar que Clube Zero é único em sua proposta, porém o filme aborda os distúrbios alimentares com um olhar profundamente desconfortável e perturbador, evocando lembranças de obras peculiares como Devorar (2019) e Peles (2017). Distante de ser apenas um drama emocional, sua premissa cria uma espécie de distopia distorcida onde a abstenção alimentar é enaltecida e todos parecem consentir com isso.

Este não é um filme sobre bulimia ou gordofobia, mas sim sobre os perigos de conceder voz e poder às mãos erradas, e como os educadores podem moldar a vida de crianças e adolescentes.

Na trama, somos apresentados à Novak, interpretada com expressividade por Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas), uma professora astuta e dissimulada que conquista um emprego em uma escola de elite e estabelece laços profundos com os alunos.

Ela introduz uma aula de nutrição baseada em um conceito inovador: abster-se de comer para proteger o meio ambiente e salvar o mundo. Essa mudança desencadeia uma revolução nos hábitos alimentares da escola. No entanto, à medida que o tempo passa, a influência de Novak sobre determinados alunos toma um rumo perigoso e bizarro.

Jessica Hausner (Little Joe) tece uma fábula sombria para explorar o mundo das dietas irresponsáveis e da juventude empenhada em salvar o futuro, sem compreender verdadeiramente a complexidade do planeta diverso em que vivemos.

Esteticamente, o filme é uma obra-prima arrebatadora, repleta de cores vibrantes e contrastes que constroem a ilusão de uma vida perfeita, uma fachada que as famílias erguem para ocultar a desigualdade social que permeia a escola. Visualmente, o filme evoca a sensação de um thriller sobrenatural, como se Pedro Almodóvar decidisse dirigir um filme de terror.

Mas o filme não se enquadra no terror; é notavelmente realista e isso serve como um exemplo dos perigos que o roteiro inteligente deseja destacar em relação à falta de acompanhamento dos pais para com seus filhos. Ao adotar uma abordagem satírica perspicaz e, por vezes, hilariante, apesar do desconforto, o filme opta por explorar cenas que ultrapassam os limites, mas ainda se encaixam dentro desse contexto subversivo.

Uma cena particularmente repugnante destaca a talentosa jovem atriz Ksenia Devriendt. É uma visão difícil de encarar e certamente torna o filme inadequado para todos os públicos.

Enquanto isso, Mia Wasikowska entrega uma performance sensacional que tem potencial para marcar sua carreira. O filme constrói um mundo intrigante, plástico e envolvente, mas às vezes se torna excessivamente mecânico e distante do espectador. É difícil estabelecer uma conexão emocional com qualquer personagem nessa narrativa. Isso é um grande problema.

Veredito

Com sua abordagem selvagem e provocativa, Clube Zero cria uma sátira perturbadora que abrange os distúrbios alimentares, a desigualdade social e o negacionismo da geração Z, ao mesmo tempo em que desafia nosso apetite para filmes desconfortantes, ácidos e surrealistas.

Embora nem sempre alcance sua crítica social desejada, deixa imagens profundamente marcantes em nossa mente, difíceis de esquecer. Jessica Hausner mais uma vez tece uma fábula distorcida sobre a autodestruição humana e os perigos de conceder poder às mãos erradas. Clube Zero é subversivo, ousado, mas destinado apenas aos que têm estômago forte.

NOTA: 8/10

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