Convenhamos, Alex Garland é um cineasta notável, habilidoso em manter o suspense em ascensão sem nunca deixar sua narrativa cair na monotonia. Embora sua filmografia abranja uma variedade de gêneros, desde terror psicológico até futuros distópicos, um tema persistente permeia suas obras: a percepção da humanidade perdida em meio aos pesadelos que ela mesma criou, seja na tecnologia, na depressão ou na busca pelo poder, como evidenciado em seu emocionante e fantástico drama de ação Guerra Civil (Civil War), o projeto mais ambicioso da consagrada A24, amada pelos cinéfilos, e que chega ao Brasil pela Diamond Films.
O investimento neste filme é certeiro; apesar de sua trama contida e até simplificada, ele se eleva como um blockbuster de alta qualidade e brilha na ação desenfreada e enriquecido por personagens bastante memoráveis. Uma aura persistente de desolação permeia o horizonte e mantém o espectador preso na poltrona durante as quase duas horas eletrizantes deste road movie de guerra, onde cada tiro é disparado com propósito. É de deixar as emoções à flor da pele como poucos filmes recentes conseguiram fazer.
Índice
Os acertos e erros de Guerra Civil
Sem dúvida, o principal ponto de interrogação em Guerra Civil reside na ausência de uma exploração das motivações por trás do conflito que empurra os Estados Unidos para beirar o caos sem precedentes. No entanto, essa lacuna não diminui a relevância do filme, já que para desencadear uma guerra identitária no país mais egocêntrico do mundo, basta colocar o poder nas mãos erradas. Ao abraçar uma ideologia essencialista de uma América exclusiva para os “americanos puros”, o mundo ocidental desmorona, desencadeando o conflito central do filme.
Em meio a esse tumulto catastrófico, somos conduzidos pela jornada de um grupo de jornalistas corajosos que percorre o país em um tipo de futuro distópico provável, imersos em um conflito intenso que abala suas vidas, com destaque para a fotógrafa de guerra Lee, interpretada de forma magnífica por Kirsten Dunst (Melancolia), em um de seus papéis mais intensos e comoventes da carreira.
E nessa jornada arriscada em direção à capital, onde o presidente dos EUA se encontra desolado, derrotado e refugiado em sua própria fortaleza após instigar o conflito armado, temos a jovem e obstinada jornalista Jesse, interpretada por Cailee Spaeny (Priscilla), que proporciona o contraponto emocional da narrativa, enquanto nosso fenômeno Wagner Moura (Tropa de Elite), no papel de Joel, encarna o perfil do durão. Juntos, esse trio – complementado pelo talentoso Stephen Henderson (Duna 2), que se destaca como o coração da trama – forma um grupo de personagens que inevitavelmente cativa nossos corações e desperta em nós um genuíno interesse por suas vidas.
Lee é uma figura que testemunhou todo tipo de atrocidade durante seus anos como correspondente de guerra, e parece que nada mais consegue abalar seu coração já dilacerado, até que encontra em Jesse uma centelha de esperança e amor, tanto pelo mundo quanto pela profissão. Essa conexão mantém nossos corações na boca sempre que ambas enfrentam perigos iminentes.
Lee pode parecer insensível à violência, mas ela simplesmente aprendeu a sobreviver sem deixar que o impacto das explosões a atinja em cheio. Além de tecer uma crítica social afiada sobre uma América dominada por extremistas, o roteiro genial de Garland presta também uma bela e comovente homenagem aos jornalistas e indivíduos que arriscam suas vidas para revelar a verdadeira face do mundo e transmitir a dedicação, o impacto, o sacrifício e a alegria de entregar notícias importantes.
Em certa medida, ao evitar explicações excessivas e detalhes minuciosos, o roteiro opta por dar algumas reviravoltas questionáveis, deixando grande parte de sua crítica social em aberto, o que é uma pena, embora isso seja compensado pela ênfase no ponto alto do filme, juntamente com a escolha do elenco: as sequências frenéticas e eletrizantes de ação, imersas em uma intensidade impressionante, digna dos melhores blockbusters.
Cada disparo ou explosão ecoa pela sala de cinema – especialmente em IMAX – com uma intensidade que faz o chão tremer. Apesar de ter uma base dramática extremamente sólida e presente, o filme não deixa de ser uma experiência de ação e guerra, e isso jamais desaponta. Seu retrato da realidade crua e fria é poderoso, visceral e profundamente perturbador.
E para transmitir essa mensagem de caos e dor, o longa adota uma abordagem enraizada na violência gráfica, retratando corpos sendo despedaçados, incendiados e explodidos. Essa abordagem torna a narrativa ainda mais comovente devido à sua autenticidade impressionante. O uso do som no filme é particularmente notável, com longos momentos de silêncio absoluto que aumentam a tensão e também destacam o quão familiarizados os personagens estão com a violência.
Quando o silêncio é rompido pelos sons ensurdecedores dos tiros, a experiência se torna tão aterrorizante quanto qualquer filme de terror (mais ou menos o que vimos no recente Zona de Interesse), utilizando a guerra como uma fonte de suspense eficaz. Esse impacto é especialmente palpável quando o personagem interpretado por Jesse Plemons entra em cena, com o ator utilizando sua expressão imperturbável para oferecer uma performance verdadeiramente aterrorizante, que resulta no momento mais tenso da trama.
Veredito
O escopo épico de Guerra Civil é apenas um dos atrativos de um roteiro brilhante, complementado por performances fantásticas e uma narrativa de tirar o fôlego neste que talvez seja o melhor road movie de guerra já feito. O caos vividamente retratado na tela, combinado com o uso magistral do som, cria uma experiência perturbadora e impactante que vai mexer com os seus sentidos.
Embora o roteiro opte por não se aprofundar em explicações detalhadas do conflito, essa ausência de respostas apenas ressalta o fato de que o país está tão imerso na guerra que todos parecem ter esquecido o motivo pelo qual estão lutando. Alex Garland sabe tão bem trabalhar com futuros distópicos possíveis, que cria uma história palpável, emocionante e que fica pulsando na nossa memória.
Além de tudo isso, ainda é um filme maravilhosamente filmado que evita abordagens políticas diretas para ilustrar os horrores da guerra e a importância do jornalismo em tempos de conflito. Uma verdadeira obra-prima sobre o jornalismo de guerra, com uma interpretação absurda de Kirsten Dunst. Guerra Civil oferece entretenimento de alta qualidade, feito com paixão, enquanto ecoa uma premonição assustadora de um futuro possível para um país onde o ódio e a violência consomem lentamente sua essência.
NOTA: 9/10
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