Crítica | A Cor Púrpura – Musical reinventa o clássico com um toque de ousadia

Quando A Cor Púrpura (The Color Purple) estreou em 1985, Steven Spielberg já era um nome estabelecido no cinema blockbuster americano. No entanto, ele demonstrou uma versatilidade notável ao dirigir um filme tão sensível e poderoso, que rapidamente se tornou um fenômeno tanto nas telas quanto nos palcos da Broadway.

Baseado no romance da aclamada escritora americana Alice Walker, o filme foi um presente inestimável para a comunidade negra da época, e ainda hoje impressiona pela sua ousadia, afeto e brilhantismo de toda a equipe de produção.

Agora, o desafio foi trazer A Cor Púrpura de volta este ano, em uma produção que incorpora o seu aspecto musical e aprofunda questões como feminismo e bissexualidade, que anteriormente não eram discutidas. E o filme, felizmente, brilha ao resgatar a essência original de uma forma que não apenas se reinventa, mas também honra o seu legado de maneira digna, sem perder uma linha do carinho por essa história tão deliciosa e comovente.

A trama e o elenco de A Cor Púrpura

Realmente, a força primordial de A Cor Púrpura reside (e sempre residiu!) em seu elenco fenomenal de estrelas. A emoção permeia cada verso, cada diálogo (ou, neste caso, cada canção) que conduz a narrativa do filme, como se esta história fosse verdadeiramente um legado da história americana, que necessita ser revisitada de tempos em tempos, e cada membro do elenco carrega consigo essa missão de se entregar de corpo e alma ao que está vivenciando.

A trama, assim como no original, mergulha em uma história de amor e resiliência, quase como um conto de fadas sobre a jornada de uma mulher em busca de independência. Celie (interpretada quando adolescente por Phylicia Pearl Mpasi e adulta por Fantasia Barrino) enfrenta inúmeras adversidades ao longo de sua vida difícil sendo mulher preta no mundo dos homens, mas descobre uma força e uma esperança extraordinárias nos laços inquebráveis da irmandade, que conectam o passado da comunidade negra nas Américas com o presente.

Enquanto no filme original, Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Akosua Busia imortalizaram seus papéis, deixando uma marca indelével na história do cinema afro-americano, agora é a vez de Fantasia Barrino, Taraji P. Henson e Danielle Brooks dominarem cada segundo de tela com performances que transcendem os limites da excelência. É uma delícia visual e estética que nos mergulha em um universo encantador e bastante imaginativo.

Em uma nova era, onde a liberdade contra a censura é maior, o diretor Blitz Bazawule cria sua versão original e transgressora da história, explorando temas antes relegados ao silêncio. Embora retrate uma época marcada pela opressão das mulheres na sociedade e pela segregação da população negra na América, a versão musical de agora flerta ainda mais com o lado anti-machista da obra e aborda questões de sexualidade de forma mais aberta, enriquecendo as telas com o que há de melhor nesse conto.

Bazawule realiza um trabalho sólido ao manter o tom e o cenário coerentes, juntamente com os cenários de produção e figurinos, que são verdadeiramente cativantes e visualmente deslumbrantes. Os momentos musicais são envolventes. Embora algumas das faixas musicais não se destaquem, apresentam letras de qualidade e uma variedade de tons musicais explorados por ritmo que vai do blues ao gospel.

Performances memoráveis permeiam toda a produção. Danielle Brooks (Orange is the New Black) brilha como Sofia, papel que ela também desempenhou no palco. Sofia é a esposa de Harpo (Corey Hawkins), um dos poucos homens que tenta desafiar a tradição de abuso na família, embora ele tenha pouca escolha com seu pai absurdamente terrível – vivido pelo ótimo Colman Domingo (Euphoria). Taraji P. Henson (Estrelas Além do Tempo), por sua vez, irradia energia como a cantora Shug Avery, uma das poucas mulheres da região que conquistou independência e forjou uma vida conforme seus próprios termos.

No entanto, apesar dos inúmeros números musicais distribuídos ao longo de suas 2 horas e 20 minutos (ainda menor que o filme de 1985, mas com a sensação de que é mais arrastado), por vezes o filme parece estar em modo automático, simplesmente reproduzindo as passagens mais importantes da obra, de forma excessivamente teatral e encenada para provocar o espectador.

Sua narrativa parece lenta em alguns momentos e se perde antes de retomar o ritmo com uma canção marcante. Embora seja uma história extremamente sombria e difícil de digerir, o musical tenta trazer momentos de leveza, mas nem sempre atinge o objetivo desejado.

Veredito

Quase quatro décadas após o lançamento do filme clássico, parece que A Cor Púrpura encontrou sua versão definitiva, mais profunda e complexa, embora jamais substituindo o poder e a singularidade do filme dos anos 80.

Há uma energia palpável no elenco fenomenal, refletida nas performances que transformam este musical em uma experiência visual e sonora envolvente, emocionante e que nos faz refletir sobre a importância desta história na narrativa do cinema afro-americano.

Os números musicais são cativantes e inventivos, assim como as letras das canções, que demonstra a ousadia desta reinvenção em transgredir alguns limites que a censura impôs ao originário. No entanto, esse excesso de cores e leveza diluem o impacto sufocante que a história deveria ter. Um eco do passado digno de seu ingresso, mas longe de ser um novo clássico do cinema.

NOTA: 8/10

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