É difícil chegar até o fim de Skinamarink (que ganhou o subtítulo de Canção de Ninar por aqui). E não por ser assustador, mas por depender excessivamente do compromisso do espectador. Um experimento que acaba sendo menor que a soma de suas partes, o longa-metragem de Kyle Edward Ball é, de fato, diferente de qualquer outro filme de terror atual, com seu viés artístico e independente que pouco se encaixa no cinema comercial. Desde A Bruxa de Blair, em 1999, o gênero não se arriscava tanto assim. E, por conta disso, precisa ser louvado acima de qualquer crítica negativa. Ser inovador necessita tempo de maturação, e tempo é algo que Skinamarink não sabe lidar.
A trama e o elenco
Este contido filme canadense – que chega ao Brasil pela A2 Filmes – abraça de coração a abordagem vanguardista para narrar a história de duas crianças que se encontram presas sozinhas em sua casa escura sem ter como sair após o misterioso desaparecimento de seus pais. Aos poucos, o lugar se transforma em um cenário assustador de pesadelos, sonhos lúcidos e vozes macabras, graças à sua estética visual, que imita uma câmera de filme analógica dos anos 90 deixada funcionando por longos períodos ininterruptos; até mesmo seus ângulos em ponto de vista se assemelham ao estilo “filmagens encontradas”. Essa energia creepypasta é inicialmente intrigante, medonha e envolvente.
Através desse lado indie de baixo orçamento, o filme apela para a macabra sensação sombria e perturbadora de um cenário pré-internet que guarda seus mistérios. A estética vídeo (com granulados) é genialmente explorada pela direção para nos fazer entrar no universo enigmático dos irmãos Kevin (Lucas Paul) e Kaylee (Dali Rose Tetreault) – crianças cujos rostos raramente vemos, mas cujas vozes refletem uma inocência comovente – que acordam no meio da noite em sua casa suburbana de dois andares para encontrar seu pai solteiro divorciado desaparecido e suas portas e janelas desaparecendo repentinamente sem nenhuma explicação.
Grande parte do tempo de execução das longuíssimas 1 hora e 40 minutos de duração é iluminado pelas luzes piscantes do aparelho de televisão – que eles ficam acordados até tarde para assistir – e lança sombras tremeluzentes nas paredes da sala e nos brinquedos espalhados no chão no meio da completa escuridão. Por vezes, nossos olhares se perdem nesses cantos escuros da casa em busca de algum rosto, alguma voz ou da tal entidade maligna que parece tomar conta das crianças. Para aumentar ainda mais o sentimento de desorientação e claustrofobia da atmosfera, o diretor de fotografia enquadra ângulos oblíquos, pés, mãos e cômodos da casa sem criar qualquer eixo ou direção.
Durante todo o tempo, uma presença misteriosa e invisível fala com os irmãos em sussurros que o microfone muitas das vezes não capta, mas que são legendados, permitindo que suas reflexões inaudíveis sejam compreendidas. Parece autenticamente assustador e real, como se você tivesse acidentalmente assistindo algo que não deveria ter visto. Até mesmo o nome Skinamarink é emprestado de uma canção pré-escolar que antecede as memórias infantis e o filme em si adota essa temática de inocência e lembranças de uma época que pouco recordamos. O diretor transforma tanto o conforto familiar dos objetos da infância – aparelhos de TV, bichos de pelúcia, telefones de brinquedo, etc. – quanto espaços aconchegantes, como quartos, no tipo de imagens estranhas que acarretam sustos genuínos.
Aliás, seu forte é mesmo essa criação de medo ao se encontrar preso em uma casa sem saída. Qualquer que seja a criatura demoníaca presente ali com as crianças pode ser facilmente reflexo de um lar sem amor, de uma família desestruturada e de uma infância carregada de abandono e solidão. São reflexões plausíveis e que fazem sentido na trama, ainda que imersas na atmosfera aterradora da ambientação. Todas essas ideias funcionam individualmente, mas a construção de Skinamarink falha em torná-las coerentes de uma maneira que pareça em sintonia com sua abordagem visual.
Solavancos repentinos de som estridente e imagens perturbadoras podem causar sobressaltos momentâneos no público, o famoso jump scare que aqui pouco se encaixa. Essa confiança de provocar sustos de um filme de terror convencional dentro de algo totalmente oposto acaba interrompendo a própria estrutura da trama e, com isso, evidenciando seus maiores defeitos no ritmo e na bagagem de horror. Este é um filme que requer muita paciência (e põe muita nisso), mas essa paciência raramente é recompensada com bons sustos e calafrios. No conjunto da obra, o perturbador perde a ênfase e o impacto. Depois de 30 minutos, tudo parece tedioso ao quadrado e a montanha-russa só desce até um desfecho sem qualquer tipo de resposta.
Veredito
É notável o quão longe Skinamarink: Canção de Ninar está indo sendo uma produção experimental, indie e com uma abordagem bastante discrepante do cinema de horror atual. Apesar de seus defeitos e deficiências narrativas, sua existência por si só já mostra uma renovação ao gênero que é mais do que bem-vinda, o nascimento de uma nova tendência de filmes baseados na estética creepypasta que deve aterrorizar os próximos anos. Porém, embora inventivo, a experiência é tomada pelo mais puro tédio, como se passássemos uma semana inteira assistindo o mesmo filme, que só possui energia para ser um curta de 15 minutos.
Ao contrário da grande maioria dos filmes recentes, este aqui exige um nível de envolvimento paciente do público para preencher os seus longos períodos de silêncio na escuridão, mesmo que as recompensas sejam decepcionantes e convencionais. Aterrador em sua essência, a trama evoca aquela claustrofóbica sensação de acordar sozinho em casa no escuro e desperta todos os piores medos e gatilhos da nossa primeira infância, criando assim uma experiência cinematográfica de ansiedade que é, no mínimo, completamente única, mas minimalista e cruelmente monótona.
NOTA: 6/10
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