Crítica | Drive My Car – Uma jornada triunfante através do luto

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Após um ano de inúmeros blockbusters de super-heróis e dramas com astros e estrelas cultuados – visando resgatar a essência do cinema num período após a reabertura das salas pelo mundo – uma preciosidade do cinema japonês fura sua bolha, ultrapassa as barreiras e conquista destaque sem fazer grande alerde, afinal, Drive My Car é um filme simples em sua essência e que, de modo geral, nos proporciona uma aventura mansa e agridoce pelas fases do luto. Ou seja, é a arte cinematográfica em sua raiz mais pura.

O novelão – indicado ao Oscar 2022 – chega ao Brasil igualmente calmo, através da plataforma MUBI, mas já está deixando corações devastados pelo caminho de sucesso. No entanto, convenhamos, Drive My Car não é (e nem tenta ser!) o novo Parasita, como se tem falado por aí, tanto por conta de sua premissa mais intimista, quanto pelo fato de que, com suas longas 3 horas de duração, a obra torna-se bem menos comercial e mais uma experiência cult para os amantes do bom e velho cinema da reflexão e das metáforas. Porém não se engane, essa força move montanhas e, sem dúvida, deve ser um dos grandes premiados da Academia ao ser comparado com as obras mais fracas com quem concorre.

A trama e o elenco

Dirigido e co-escrito por Ryusuke Hamaguchi, o filme é a história da imensa perda de um homem (vivido pelo ótimo Hidetoshi Nishijima) e o caminho que ele precisa percorrer como aquele que ficou para trás. Essa jornada – sobre experiências amorosas, perda e aceitação – transcende sua própria simplicidade e mergulha em sentimentos e camadas profundas, muito por conta da condução de Hamaguchi e a intimidade que nos coloca, uma vez que convida o espectador a compartilhar – e quase participar – dos eventos na tela. A duração faz aquele momento de 3 horas ser uma verdadeira sessão de terapia.

O roteiro existencialista, baseado no conto homônimo de Haruki Murakami, de sua coleção intitulada Homens sem Mulheres, foge daquele típico drama matrimonial, que faz sucesso na prateleira de filmes indie, e explora a vida de um ator e diretor de teatro chamado Yūsuke Kafuku, um sujeito frustrado e que canaliza sua dor em sua arte, produzindo e estrelando peças trágicas sobre perde e mágoas. No entanto, vagueia pela própria vida totalmente reticente, cansado de tudo ao seu redor e em busca de um novo propósito para continuar existindo. Após a perda de uma filha, ele ama sua esposa Oto, porém estão emocionalmente desconectados. Quando sua esposa também falece – de forma bastante abrupta – é quando a trama de fato começa – uma longa introdução no mesmo estilo do ótimo Deserto Particular, de Aly Muritiba.

Esse caminho do enredo mostra que o filme se esquiva do óbvio – que seria construir uma narrativa sobre os problemas do casal e o casamento desmoronando – e se transforma em algo muito mais denso, sobre as atitudes que tomamos na vida e como temos tão pouco tempo para corrigí-las. E isso, claro, é mais emocional e triste que qualquer outro fato. Digerir a dor é uma tarefa árdua e não há espaço para senso de humor no roteiro – o que torna o filme uma escolha péssima para um momento de diversão entre amigos.

Aqui, o alvo é a sensação de saudade, culpa e como não deixar os arrependimentos controlarem nossa mente. É só dois anos após a morte de Oto que o protagonista encontra uma alma gêmea em Misaki (Tōko Miura), a jovem contratada para ser sua motorista durante sua permanência em Hiroshima. Desse ponto em diante, os dois desajustados encontram uma direção na vida e o Saab 900 vermelho os une.

A direção

Como boa parte da trama é situada em Hiroshima, é evitável não pensar na tragédia do passado e o roteiro faz um papel fantástico sobre o trauma coletivo do lugar. A ambientação por si só traz esse ar de melancolia, saudade e calmaria após a tempestade, que completam os protagonistas e a jornada pelas estradas sinuosas e acinzentadas em que viajam.

O que torna Drive My Car tão eficaz em sua proposta é, sem dúvida, a fotografia e a sensibilidade ímpar da direção Ryusuke Hamaguchi, um cineasta bastante humano. Assim como Misaki dirige o carro com todo o seu amor, Hamaguchi faz o mesmo com o filme. As longas sequências do carrinho vermelho-sangue por intermináveis estradas – ainda que fácil de se distrair – nos passa essa doce e esperançosa sensação de superação pessoal que, cedo um tarde, teremos que experimentar. Ao mesmo tempo que o ritmo lento reconforta e intriga, nos deixa também presos em saber como aquilo vai terminar.

Conclusão

Favorito ou não ao Oscar, Drive My Car é facilmente um dos melhores filmes desse ano e talvez o mais diferente entre os indicados. Seu roteiro inteligente e requintado dá uma verdadeira aula de como contar uma história rica em detalhes. Entre o luto e a superação, a trama nos conduz à uma jornada emocional poderosa sobre arrependimentos e perda e proporciona um grande épico sobre a tristeza contida dentro de nós.

Sim, são 3 horas de duração e o ritmo é o mais lento possível. É uma experiência oferecida aos amantes do cinema de qualidade e que exige de nós uma dose extra de envolvimento e empatia, talvez por conta disso seja tão triunfante e raro. Apesar de extremamente longo, vale seu tempo. E, com o preço atual da gasolina, é mais seguro mesmo embarcar nessa viagem por mais uma preciosidade do cinema japonês.

NOTA: 9/10


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