Crítica | Morte no Nilo ou a morte por tédio do espectador

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Quanto vale um mistério? Quanto de nosso tempo estamos dispostos a dedicar na solução de uma trama embaralhada? Bom, nesse caso, vale o preço do ingresso para desvendar as presepadas de Morte no Nilo (Death on the Nile) – sequência de Assassinato no Expresso do Oriente e que novamente adapta um livro de sucesso da autora Agatha Christie. Ao trocar o frio do trem noturno pelas paisagens ensolaradas do Egito nos anos 30, Kenneth Branagh (Belfast) nos faz entender o motivo de tantos adiamentos por conta desse longa problemático – e olha que nem estou falando das polêmicas do elenco.

Enquanto o filme anterior possuía sim problemas, mas contornava as falhas com entretenimento, dessa vez, o mistério – carro-chefe da obra – se esvai na velocidade máxima e restam poucas válvulas de escape para fisgar o espectador além de apenas admirar seus astros e estrelas em atuações mais artificiais que planta de shopping, ou seja, o mergulho enfadonho é tão profundo que fica difícil decidir o que é pior: o roteiro extremamente previsível ou a direção que não sustenta seu elenco estelar. E nas areias do Cairo ou nas águas do Nilo, se perde boa parte da qualidade que a sequência cobiça ter.

A trama e o elenco

Após uma introdução sem sintonia e que visa dar maior profundidade para o detetive Hércules Poirot (vivido pelo também diretor Branagh), o longa engata na lentidão enquanto apresenta sua premissa clichê e seus personagens rasos, mas nada disso importa, pois, a trama é movida por apenas um fio condutor: quem é o assassino(a) da jovem herdeira vivida por Gal Gadot (Mulher-Maravilha)? Dessa pergunta óbvia e com uma ambientação bizarramente artificial por conta do CGI tosco, a narrativa navega no Rio Nilo, mas nunca, de fato, sai do lugar. Ou vai para lugar algum.

No entanto, obviamente a essência do best-seller de Christie está presente (apesar de passar longe da fidelidade). Há suspense, mortes e uma infinidade de suspeitos com intenções plausíveis para matar. O clima está estabelecido, mas o roteiro se alonga além do necessário em subtramas bobas e acaba por expor, sem inteligência alguma, todas as principais pistas sobre o assassinato e seus culpados.

A atenção aos detalhes – algo de extrema importância nesse tipo de obra – fracassa e não há a tão necessária despistada no espectador. No fim das contas, os culpados são os mais óbvios possíveis e o desfecho – totalmente anticlimático e previsível – apenas evidencia que o tempo gasto para desvendar tal chatice foi mesmo em vão.

Além disso, o elenco extenso vive uma luta constante para ver quem fica no holofote por mais tempo – e sinto dizer que boa parte dele não tem nenhum carisma. Gadot empresta sua falta de expressão para uma personagem que dura pouco, Armie Hammer está com tanta fome para se provar, que perde o tom, já Emma Mackey (Sex Education) é quem tem o melhor desempenho e brilha como uma mulher vingativa.

Os demais funcionam apenas como pedras no caminho da história e toda essa falta de química se deve muito pela condução debilitada da direção. É coisa demais acontecendo ao mesmo tempo e quase nada envolve o espectador, que luta para se manter acordado por boa parte da aventura.

A direção

Quando o roteiro perde o fio de meada e o suspense não sustenta, cabe à direção de Branagh resgatar as energias com reviravoltas interessantes e pistas falsas para deixar o público confuso, algo que não acontece. Diferente de obras no estilo – como o excelente Entre Facas e Segredos – aqui tudo é expositivo, descarado e apressado.

Nem mesmo o ritmo ajuda, uma vez que – ainda que lento no desenrolar da trama – a narrativa corre precipitada na busca por solucionar todas as suas pontas soltas antes de dar tempo para que o espectador o faça. E daí por ladeira abaixo em todas as suas decisões dramáticas, diálogos péssimos e uma duração que parece levar uma vida para passar.  

Conclusão

Mergulhado em uma falsa elegância com seu visual ensolarado e elenco estelar para disfarçar o roteiro enfadonho, Morte no Nilo afunda seu mistério nas areias do Egito e se perde num emaranhado de previsibilidades. Com exceção de alguns bons momentos da fotografia – que brinca com preto e branco – e com o clima noir, que dá ao filme uma animada tonalidade antiga de detetive, nada mais se salva dessa viagem caótica e maçante por um rio de clichês sem tensão dramática.

O ano mal começou, mas parece que já temos um forte candidato a ser lembrado pelas escolhas ruins. Um típico blockbuster ambicioso que dá sequência à uma franquia sem ânimo, sem ousadia e que desperdiça todos os seus caros recursos com uma produção pouco criativa. Como diretor, Kenneth Branagh segue sendo um ótimo ator. E a morte no Nilo pode ser facilmente a morte de tédio do espectador que merecia muito mais.

NOTA: 4/10


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