Antes de qualquer coisa, é importante ter em mente que nada em A Lenda do Cavaleiro Verde (The Green Knight), o novo filme do diretor David Lowery (do excelente A Ghost Story), é confortável. Desde sua abertura enigmática – com o protagonista sentado em uma sala do trono vazia, uma coroa pairando ameaçadoramente acima de sua cabeça enquanto as chamas de repente o envolvem – até o desfecho sombrio, cada mínimo detalhe é assustador e sombrio. As lendas arturianas há muito foram traduzidas em dramas arrebatadores ou épicos de ação, mas nunca houve uma adaptação tão surreal e estranha quanto esta.
Recém chegado ao Brasil através do Amazon Prime Video, a produção da singular A24 traduz o romance clássico de Sir Gawain e o Cavaleiro Verde em uma aventura fascinante, rejeitando as emoções comuns – esperadas desse subgênero – e abraçando o lado mais artístico e visceral de um conto sombrio que atravessou gerações. E isso ressignifica o cinema e sua essência, além de dar um frescor necessário.
A trama e o elenco
No enredo imerso no surrealismo, o astro Dev Patel (Lion: Uma Jornada Para Casa) dá uma reviravolta fascinante ao personagem histórico, que, em sua fome pela glória e reconhecimento, aceita um desafio para enfrentar o temido Cavaleiro Verde, derrubando-o com um golpe fatal. No entanto, o medo aumenta quando o Cavaleiro arranca sua cabeça decepada e vai embora gargalhando, prometendo uma reunião com Gawain em um ano.
Inteligentemente, o roteiro de Lowery gasta pouco tempo no ano intermediário, estabelecendo rapidamente que um ato corajoso não fez de Gawain um herói. Em vez disso, ele se concentra na jornada árdua e imprevisível em que ele parte, levando o herói impetuoso através de campos de batalha e florestas cobertas de neblina para cruzar com ladrões emboscados, um espírito triste, gigantes uivantes e um casal desconcertante em um castelo sinistro.
E para os cinéfilos apaixonados pelo aspecto visual, cada local tem uma beleza misteriosa e estonteante. A paleta de cores de ouro, verde e cinza contrasta o musgo exuberante da terra contra o manto brilhante do protagonista em relação as paisagens gélidas e perigosas. A ambientação é um espetáculo à parte. Os tons quentes da capa dourada do protagonista desafiam os tons frios do Cavaleiro, cuja carne é feita de madeira.
Todo esse contraste da aparência reflete brilhantemente a batalha sombria e a conexão da vida e da morte – e muito por conta do uso das cores vermelhas em abundância, que representam o perigo crescente e o banho de sangue da época. Essa textura – somada à trilha sutil e desconfortante – se mostra não apenas impecável aos olhos, mas também crucial dentro da história, uma vez que nos dá algo para agarrar enquanto a trama se desenvolve lentamente, quase parando. Sim, o ritmo não é ideal e vai afastar quem busca ação.
A direção
Poucas mentes são tão profundamente brilhantes quanto a de David Lowery. O diretor possui uma visão tão imersa no sentimental, que praticamente tudo que põe a mão vira ouro (e olha que não dirigiu nem meia dúzia de filmes). O cineasta aprecia a ambiguidade. Seus personagens são muitas vezes impressionistas, confiando mais no gesto do que na história de fundo. Além disso, o roteiro (escrito por ele) acerta em não tentar – mais uma vez – recontar a maçante história do Rei Arthur e o que o rodeia, sobrando assim tempo para criar uma atmosfera poética e cheia de metáforas interessantes.
Em A Lenda do Cavaleiro Verde o apreço pelas personalidades conflitantes não é diferente e seus atores – que inclui nomes como Alicia Vikander (Tomb Raider), Joel Edgerton (Bright) e Barry Keoghan (Eternos) – exalam luxúria, amor, malícia e agonia, transformando cada sequência em um evento apreciativo de grande valor. No entanto, o desempenho de Patel por si só já torna o filme imperdível. Seu carisma e olhos comoventes falam muito, ele cria um retrato cativante e complexo de um homem em busca da grandeza e descobrindo seus defeitos e valor.
Conclusão
Através de seu tom melancólico, A Lenda do Cavaleiro Verde refresca as já exaustivas adaptações das lendas arturianas, ao mesmo tempo que surpreende com uma rara beleza sombria e perturbadora, em contraste com o carisma de seus personagens complexos. Uma verdadeira obra-prima em todos os aspectos possíveis. Não espere uma aventura de ação e irá se envolvido numa névoa deliciosamente sensorial, densa e reflexiva, diferente de tudo que já viu dentro do subgênero.
Mesmo com desfecho apressado e problemas no ritmo, com esse conto estranho e fantástico, sem dúvida o visionário diretor David Lowery mantém sua filmografia em nível elevado. O resultado é gratificante e uma nova lenda do cinema cult acaba de nascer.
NOTA: 10/10
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