Crítica | Sombra e Ossos: Realismo atrelado à fantasia em superprodução da Netflix

“E se a escuridão fosse um lugar?”, indagou a escritora Leigh Bardugo tempos antes de sanar a própria curiosidade escrevendo livros que exploram um mundo fictício dividido pela guerra. A repercussão positiva resultou na adaptação Sombra e Ossos, série produzida pela Netflix cuja premissa compila várias obras da autora. 

Na história de Sombra e Ossos, a cartógrafa Alina Starkov (Jessie Mei Li) descobre ser capaz de manipular a luz ao salvar o melhor amigo Malyen Oretsev (Archie Renaux) de uma emboscada mortal. Em seguida, ela é nomeada para destruir a Dobra das Sombras, região obscura habitada por monstros carnívoros, sob o olhar do misterioso General Kirigan (Ben Barnes) enquanto três ladrões planejam desviá-la de sua missão. Ao longo da saga, a magia da chamada trilogia Grisha se mescla ao realismo de Six of Crows num cenário engenhoso e verossímil. Com isso, o roteiro não só preza pela coerência narrativa, como também destaca a singularidade de seus personagens. 

Após a Segunda Guerra Mundial, J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis popularizaram a fantasia moderna com a publicação de O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia respectivamente. O modelo estabelecido por ambos configura uma nova realidade onde as leis se fundamentam em temáticas mitológicas e religiosas. De volta aos episódios, essa ambientação é idealizada a partir de marcos da antiguidade. A sub-trama vivida pela mística Nina Zenik (Danielle Galligan) e o caçador de bruxas Matthias Helvar (Calahan Skogman) remonta a inquisição na Idade Média, período no qual mulheres habilidosas eram perseguidas por supostamente possuírem dons sobrenaturais. Já o meio social dos Corvos, possui relação com a prosperidade econômica dos Países Baixos durante o século XVII, já que a nação fictícia de Kerch prioriza o dinheiro e o comércio. Por fim, o arco da protagonista se desenvolve em Ravka, território monárquico inspirado no então Império Russo pré-revolução. 

Uma vez definido o contexto, a jornada épica acontece por meio do embate entre opostos. O conflito entre Starkov e Kirigan, também conhecido como Darkling, mescla a dualidade entre claridade e trevas, proveniente da filosofia Maniqueísta, com o princípio taoísta do Yin-yang, segundo o qual forças opostas se complementam. Enquanto a heroína é inerentemente bondosa, o antagonista se caracteriza pela complexidade. Apesar de ser conhecido por dominar as sombras, ele se atrai pela conjuradora do sol, mas a relação genuína rapidamente se confunde com um jogo de interesses. Por outro lado, a verdadeira motivação do personagem aparece em flashbacks que justificam seu caráter vacilante e o humaniza perante controversas. Diante disso, Ben Barnes rejeita o estereótipo do adversário unidimensional em prol de uma interpretação sedutora, ponderada e repleta de nuances.  

Além da personalidade evasiva do vilão, a temporada se distancia de fatores pré-estabelecidos ao destacar os anti-heróis. Na literatura, essas figuras se distinguem pelo caráter moralmente dúbio, logo são frequentemente renegadas ao segundo plano. Contrariando esse preceito, os integrantes do Clube do Corvo conquistam espaço suficiente para expandir seus atributos ambíguos. Inseridos num submundo regido pela rivalidade, os trapaceiros Kaz Brekker (Freddy Carter), Jesper Fahey (Kit Youg) e Inej Ghafa (Amita Suman) vivem à margem do crime. No entanto, quando aceitam sequestrar Alina em troca de dinheiro, o vínculo afetivo entre eles se revela mais importante do que a ganância. Desde o início, a montagem contempla essa dinâmica exibindo as habilidades da equipe em inúmeras cenas, bem como concede ao grupo um tempo de tela equivalente ao do elenco principal. 

SHADOW AND BONE (L to R) JESSIE MEI LI as ALINA STARKOV of SHADOW AND BONE Cr. COURTESY OF NETFLIX © 2021

A interação fluída entre diferentes núcleos do enredo ultrapassa o entretenimento vazio e caracteriza Sombra e Ossos pela originalidade. Isso é mérito da autora Leigh Bardugo, a qual se provou inventiva o suficiente para o audiovisual, e do trabalho feito por Eric Heisserer, showrunner que conquistou os fãs ao reunir virtudes de obras diferentes numa linha do tempo coesa. Os elementos mundanos, proveniente dos Corvos, combinados a aventura de super-humanos inovaram o gênero ao equilibrar realismo e fantasia. Portanto, os ganchos para a sequência instigam a curiosidade do público e abrem de um leque de possibilidades ainda mais abrangente. Em consequência disso, muitos irão recorrer aos livros, mas quem optar pelo ritmo do seriado, poderá se deparar com acontecimentos tão surpreendentes quanto uma travessia pela escuridão. 

 Nota: 8/10

Escrito por: Nathalie Moreira

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