Crítica | Bela Vingança – A vingança nunca foi tão prazerosa

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Diferentes de filmes puramente torture porn, feitos pelo ponto de vista masculino sobre as consequências do abuso sexual, como a franquia de suspense Doce Vingança, por exemplo, a obra dirigida por Emerald Fennell, que chegou ao Brasil (não a toa!) com o título de Bela Vingança (Promising Young Woman), subverte todos os clichês e estereótipos do tema e entrega uma reflexão madura, sensível e poderosíssima em épocas em que Hollywood está escancarando assédios nos bastidores do cinema e predadores sexuais. De todos os filmes indicados ao Oscar esse ano, certamente esse deverá ser um dos poucos que ainda vai repercutir por mais um tempo, tanto por conta de sua temática essencial quanto pela maneira consciente em que lida com tais assuntos imediatistas, ainda que utilize a violência como forma de conforto pessoal. 

A trama e o elenco

De fato, há quem confunda Bela Vingança com um filme vitimista anti-homem e que prega a selvageria em troca de conforto pessoal, porém, esse ponto de vista do avesso faz parte da forma como Hollywood tem nos “agraciado” com filmes sobre estupro e assédio que parecem servir apenas para duas funções medíocres: excitação masculina através da violência feminina e, no menos pior dos casos, agressão ao espectador por conta do uso exagerado de imagens desnecessariamente gráficas. No entanto, o thriller não é sobre perdoar erros irreparáveis e seguir em frente, mas sim, está bem mais próximo de ser um grito de “já chega!” que permaneceu silenciado por tanto tempo, que quando escapa, corta tudo e todos pelo caminho sem medir esforços. A carga de ódio e dor explode como uma granada e se transforma na trama mais bem realizada dentro desse aspecto e feita com total empatia, sororidade e, acima de tudo, sem a menor preocupação se vai agradar o público masculino, já que o foco aqui é mesmo garantir ao espectador – seja de qualquer gênero – uma dose extra de vergonha por replicar machismos em pleno Século XXI.

Tendo isso como base, a trama acompanha a jornada de vingança pessoal de Cassandra, uma mulher que viu sua melhor amiga ser agredida sexualmente na época da faculdade e, desde então, precisa conviver com a dor e a culpa de viver em uma sociedade hipócrita e que acoberta homens que cometem tais crimes. Ao se vestir de “menina indefesa” e fingir estar bêbada em baladas pela cidade, a personagem serve como isca para dar uma lição em caras que se aproveitam de meninas assim e fazem sexo sem consentimento. Dessa premissa sensacional, o roteiro explora o lado femme fatale da excelente Carey Mulligan em uma trama que ganha pontos por não expor demais o corpo feminino e, ao mesmo tempo, surpreende por tamanha coragem dos realizadores, especialmente através de um desfecho que choca de tão inacreditável. Mulligan, como já citado, tem uma performance absurdamente comovente e comprometida com o mergulho sombrio e triste que é a vida da protagonista e sua decepção com o mundo comandado por homens que se apoiam acima de qualquer coisa.

A direção

O trabalho de condução de Emerald Fennell, assim como o restante da produção, especialmente o roteiro, é excepcional. Tanto o olhar sensível que permeia o drama da protagonista quanto o humor ácido de sua personalidade, a diretora constrói com maestria uma atmosfera que, ao mesmo tempo que comove, também provoca suspense e revolta, ainda sobrando espaço para usar clichês de comédias românticas no desenvolvimento do casal. Além disso, o ritmo é sempre mantido em alta e a trama nunca deixa o nível de tensão cair, algo realçado pela trilha sonora espetacular, a fotografia rica em cores vivas e o trabalho enérgico da montagem. Na cena mais emblemática e difícil de ser digerida, Fennell afasta a câmera lentamente com o intuito de deixar o espectador na ponta da cadeira de nervosismo e consegue, com muita coragem, renunciar a sua condutora em prol de mostrar que, apesar de todos os esforços, correto ou não, o mundo é dominado por homens. Um desfecho catatônico para uma obra tão absurdamente polida, honesta e impactante.

Conclusão

Através disso, Bela Vingança é uma obra intensa e corajosamente provocativa, que subverte o gênero para entregar o melhor thriller do ano e o ponto mais alto da carreira da fantástica Carey Mulligan. Essa produção ensina como um verdadeiro filme de vingança deveria se comportar e, com seu olhar feminista potente, propõe corrigir décadas de exposição desnecessária do corpo feminino em obras que servem apenas para satisfação masculina. Tudo isso sem perder o prazeroso entretenimento, o senso de humor e a competência de uma direção digna de um Oscar. De fato, a vingança nunca foi tão requintada e eletrizante.

Nota: 9/10

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