Crítica | Judas e o Messias Negro – O limite da militância em cinebiografia eletrizante

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A relação de antagonismo que o roteiro de Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah) estabelece entre os dois pilares da trama é também onde está sua maestria. A dinâmica mediante um grande e influente líder, que marcou o movimento negro americano, com outro homem negro, obrigado a se infiltrar para salvar a si mesmo, torna a trama do longa uma verdadeira montanha-russa de sentimentos e funciona, acima de tudo, por saber equilibrar ambas as ideologias, sem taxar um ou o outro de “vilão” ou “mocinho”. Há diferentes pontos de vista sendo abordados e o debate sobre o limite da militância, o extremismo e o julgamento público quando algum negro dá as costas para o movimento racial, são temas cruciais aqui e não poderia vir em uma hora mais oportuna, uma vez que um dos programas de TV mais populares do Brasil, o Big Brother Brasil, atualmente está levantando esse assunto e instigando a reflexão da grande massa.

A trama e o elenco

Pois bem, o drama biográfico revisita o assassinato do ativista Fred Hampton (vivido por Daniel Kaluuya), que teria sido orquestrado pelo FBI em 1969. Além de influente na comunidade da época, no auge da segregação racial, Hampton também era líder do popular movimento dos Panteras Negras e, ainda que tivesse algumas ideologias radicais e acreditasse que devolver com a mesma moeda toda a violência que recebia seria o caminho ideal para modificar o pensamento racista da sociedade, sua liderança mudou para sempre inúmeras vidas, até ser silenciada com sua morte a tiros pela polícia, enquanto dormia em seu apartamento em Chicago, após ter sido traído por um até então amigo, William O’Neal (vivido por Lakeith Stanfield), informante do FBI durante o tempo que fazia parte dos Panteras. Dessa premissa densa e complexa, nasce um drama sobre o poderoso cinema político afro-americano, sobre sobrevivência e sobre traição.  

Ainda que o título “Judas e o Messias Negro”faça um paralelo com as histórias bíblicas e sobre a traição de Judas, que levou à morte de Jesus Cristo na cruz, também se refere fortemente ao tal messias prometido, que impõe seus princípios, muitas das vezes radicais, em cima de um povo fragilizado e que necessita de um líder que tenha autoridade. De forma inteligente, o roteiro equilibra o lado vilanesco e apresenta personagens com atitudes opostas e contestáveis em suas duas extremidades. Lakeith Stanfield (Atlanta), que vive o “Judas”, traí o movimento e seus aliados em prol de sua auto sobrevivência, porém, durante a jornada, acaba por descobrir que os brancos não querem o seu bem, mas que estão usando-o apenas como peão desse cruel tabuleiro da segregação.

O ator está impecável no papel e passa uma verdade penetrante, assim como Daniel Kaluuya (Corra!), que vive o “Messias”, possui a melhor das intenções, mas não teme destruir tudo que estiver em seu caminho para conquistar seus objetivos e os direitos da sua comunidade. O astro vive um personagem magnético, que chega ser até difícil considerá-lo coadjuvante. Sem dúvida, seu melhor papel nos cinemas até então e deve ser uma presença forte no Oscar. Vale destacar também a performance do sempre ótimo Jesse Plemons (Fargo), que vive o cínico e preservo agente do FBI.

A direção

A ambientação dos anos 1960, algo que sempre rouba a atenção em dramas desse tipo, através de uma excelente direção de arte e figurino, é de cair o queixo de tão marcante e bem realizada, assim como o trabalho da fotografia, densa, escura e terrosa, que coloca o espectador no conturbado e perigoso contexto da época. A narrativa, por sua vez, se intensifica conforme a trama avança e as intrigas são exploradas mais a fundo. Desde o começo, o roteiro evidencia a sensação de mau agouro, que serve de foreshadowing de que o trem deve sair dos trilhos muito em breve e o lado mais pesado, repleto de violência gráfica e injustiças, irá assumir o controle.

Por outro lado, o desenvolvimento do plot central, que gira em torno do assassinato de Hampton, perde o ritmo algumas vezes e caminha sem pressa na contramão ao suspense crescente. O trabalho de Shaka King na direção é excepcional, mas o diretor pesa a mão em alguns pontos e deixa outros ótimos momentos passarem despercebidos, já que o foco e o protagonismo é o traidor e não o traído. Sem dúvida, esse dilema é um ato corajoso, mas que exige ainda mais cuidado e dedicação por parte de seus realizadores, já que a história pode, facilmente, perder seu impacto e ser ressignificada.

Conclusão

Com isso, de forma majestosa e bem realizada, Judas e o Messias Negro é um drama biográfico eletrizante, um verdadeiro triunfo da direção e de seu elenco de jovens talentos. A trama reflexiva, que instiga o espectador a pensar sobre os dois extremos de um mesmo movimento racial, chega no momento ideal em que o debate sobre até onde deve ir a militância está em seu auge, ao mesmo tempo que constrói uma narrativa bastante intrigante entre o líder salvador e o homem que irá traí-lo. Sem dúvida, uma dramatização intensa e didática de um marcante evento real que necessita ser lembrado para que jamais seja esquecido.

Nota: 8/10

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