Crítica | Malcolm & Marie – Zendaya em obra admirável da Netflix

A vulnerabilidade de se abrir por completo para alguém e as consequências de uma relação amorosa conturbada, que perde a sintonia a longo prazo, são uns dos temas centrais do drama metalinguístico Malcolm & Marie, grande aposta da Netflix para a temporada de premiações e não é para menos, já que, em uma hora e meia de projeção, proporciona uma experiência que mistura monólogos cirúrgicos do teatro com a magnitude cinematográfica alcançada pela força descomunal de seu elenco e pela sensibilidade de como penetra na intimidade de um casal em crise aos moldes de História de um Casamento e de Antes da Meia-Noite.

A trama e o elenco

Ao voltar da premiere de seu novo e aclamado filme, o diretor e roteirista Malcolm (John David Washington) tem seu enorme ego confrontado pela sua namorada Marie (Zendaya), durante uma imersiva e pesada discussão sobre diferentes aspectos da vida, após ele ter esquecido de citar o nome da amada nos agradecimentos do filme que, segundo ela, teve base em sua luta contra as drogas. Dessa forma, em apenas um único ambiente e com duração de uma longa e reveladora noite na vida dos dois protagonistas, a trama se desdobra em uma montanha-russa de sentimentos, que reveza o topo entre os personagens e faz o espectador compreender seus medos, dores e angústias de forma absurdamente igualitária. A simplicidade do roteiro se contrapõe com a maestria da direção e a performance espetacular do elenco. Juntos, esses três pilares entregam uma história poderosa, sobre o lado amargo do amor, sem, em momento algum, perder o magnetismo do romance e a química do casal.

Como era de se esperar, Zendaya (Euphoria) serve a alma e o coração do filme e prova, de uma vez por todas, que é uma das senão a melhor atriz de sua geração. Sua performance como Marie é estonteante de ser assistida e a carga emocional que a jovem de 24 anos coloca para fora tem a energia de uma bomba atômica. John David Washington (Tenet), por sua vez, não fica para trás e sustenta a trama com diálogos precisos sobre as superficialidades da indústria do cinema, em uma performance agressiva e doce ao mesmo tempo. Como só há dois personagens no longa, a trama utiliza diversas alegorias para transformar a casa em si em um personagem, na realidade, uma espécie de ambiente seguro e imensamente solitário onde o casal pode vomitar, com honestidade, todas as mágoas e problemas mal resolvidos que levaram a relação ao completo caos da falta de diálogo. A atmosfera em preto e branco, a trilha do compositor Labrinth e a linguagem teatral tornam a obra um verdadeiro espetáculo visual, além do texto intenso.

A direção e o roteiro

O roteiro diz muito, com palavras precisas e pessoais. Temas recorrentes, além de ciúme e de responsabilidade emocional que colocamos em outras pessoas, está um verdadeiro desabafo do diretor e roteirista Sam Levinson (criador de Euphoria) sobre sua experiência real com o mundo do cinema e como, ironicamente, criadores de arte são afetados pela avaliação de críticos e por análises, em seu ponto de vista, distorcidas da real importância e significado do filme. Vale lembrar que, assim como qualquer tipo de arte, a interpretação é subjetiva e, da mesma forma que um realizador põe seu coração e entrega para o mundo, o crítico mergulha aquela obra pessoal em seu ponto de vista único e faz nascer uma terceira obra dessa quimera, mista de duas visões artísticas, por vezes, opostas.

Essa troca, além de manter a arte viva em outras mídias, ainda fortalece o diálogo aberto no cinema, afinal, filmes são conversas que temos com nossos sentimentos mais genuínos. De qualquer forma, Levinson mostra sua insatisfação com o fato de ser analisado, ao mesmo tempo que prova a necessidade de ter sua visão de mundo expandida e como o ego inflado pode subir à cabeça de um artista. O diretor entrega, com bastante eficiência e maestria, planos longos e enquadramentos deslumbrantes, ainda que talvez já esteja alcançando seu limite narrativo após replicar a mesma fórmula de obras anteriores, como Assassination Nation. Ainda assim, a sabedoria de fazer o extraordinário com o pouco que tem em mãos é seu maior mérito.

Conclusão

Através de diálogos inteligentes e bem escritos, o provocativo Malcolm & Marie expõe o lado mais amargo, conturbado e sufocante dos relacionamentos amorosos em um drama reflexivo e honesto, fortalecido com a performance absurda do casal, em especial, do espetáculo chamado Zendaya. Além de evidenciar o amadurecimento da Netflix ao longo dos anos, essa obra, do criador de Euphoria, também proporciona uma montanha-russa de sensações que testa as emoções do espectador como poucos filmes conseguem permitir. Talvez seja maçante em seu desabafo pessoal, mas, ainda assim, a desavença amorosa tem seus momentos de glória e entretenimento.

Nota: 8/10

Última Notícia

Mais recentes

Publicidade

Você também pode gostar: