Crítica | Pieces of a Woman – Drama brutal e emocionalmente desgastante

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O cinema é uma ótima terapia de baixo custo. Algumas obras são tão profundamente carregadas de significados e reflexões, que as assistir é quase como se deitar em um divã e deixar as emoções fluírem do seu subconsciente. Mas claro, toda ação tem uma reação e, em alguns casos, o efeito colateral de se expor a tanto sentimentalismo acaba nos colocando no fundo do poço e tirando a escadinha. O importante é saber dosar e equilibrar o drama com o sentimento de otimismo, algo que o interessantíssimo Pieces of a Woman têm dificuldades de fazer. O longa, premiado no Festival de Veneza e que está chegando agora ao grande público através da Netflix, utiliza uma realidade íntima para sustentar o tom triste, pessimista e melancólico que nasce através da dor da perda de um filho e do sentimento de “ninho vazio” de uma mãe.

A trama e o elenco

Os tais “pedaços de uma mulher”, do título, se referem a grande metáfora que é reproduzir uma semente e fazer aquele pequeno fruto crescer e ganhar vida. Na trama, não é isso que acontece após o casal protagonista, vivido por Vanessa Kirby (Missão: Impossível – Efeito Fallout) e Shia LaBeouf (Transformers), decidir ter o parto de sua primeira filha em casa, com o auxílio de uma parteira. Como podemos imaginar, a escolha não dá certo e a bebê morre assim que sai de sua mãe. Dessa premissa extremamente profunda, o roteiro explora situações angustiantes e pesadas, enquanto promove reflexões sobre maternidade, solidão e perdão. Após uma abertura inquietante, realizada com longas tomadas e planos imersivos no momento mais intrínseco de um casal, o longa caminha à passos lentos e deixa seu tom melancólico assumir o controle da direção, até colidir com força em uma mortificação que parte nossos corações em pedaços, mas que reconstrói ainda mais forte depois.

Definitivamente é um filme-gatilho, em especial, para quem já passou por situações de perda. Para esse grupo, se você se encaixa, é bom assisti-lo com cautela e em um momento mais oportuno, caso contrário, a mão pesada dos realizadores e o excesso de falta de esperança podem nublar sua experiência com a obra. Ainda que o desfecho tenha uma forte e até mesmo brega e convencional mensagem de “tente outra vez e dessa vez vai dar certo”, a jornada não é doce e muito se deve por conta da ausência (proposital) de química entre o casal e pela frieza da protagonista. Vanessa Kirby vai fazer sua respiração parar em diversos momentos com sua performance elegante, densa e sombria, digna de um Oscar, no entanto, é difícil manter uma ligação emocional com Martha e sua estupidez.

Mesmo que tenhamos empatia com sua perda brusca e que seja comovente ver seu corpo produzir hormônios como se tivesse um bebê para alimentar e cuidar, a protagonista abraça seu mundo de silêncio, tem dificuldades de assumir seus próprios erros e lida com o trauma de uma forma desinteressante de ser acompanhada. Já LaBeouf, que também vive um personagem de caráter duvidoso, tem uma de suas melhores atuações da carreira, mas acaba sendo ofuscado pela força e comprometimento de Kirby. O roteiro acerta em mostrar também o sentimento de perda no pai e como isso o faz afundar nos seus próprios demônios internos. Ellen Burstyn (O Exorcista), por sua vez, entrega o melhor monólogo do filme em uma discussão honesta com sua filha.

A direção

Vale lembrar que essa é a estreia na língua inglesa do diretor húngaro Kornél Mundruczó (Deus Branco) e que a forma visceral de como trabalha o drama humano emula bastante o estilo de direção de nomes consagrados como John Cassavetes e até mesmo Bergman em certos pontos. O diretor deixa a câmera rodar e explora planos longos, filmados quase sempre próximos ao rosto dos artistas e que tem o objetivo de extrair o máximo possível dos sentimentos de cada cena. Suas obras até aqui são centradas em personagens singulares e em seus relacionamentos imprevisíveis. Esse estilo ele traz para esse filme. Por vezes, erra a mão com o drama realista exacerbado, que assume proporções devastadoras sem equilibrar com outros ganhos.

Fora isso, o ritmo de Pieces of a Woman também se constrói em seu próprio tempo e, sem pressa, explora oito dias espaçados da vida dos personagens e que se torna mais e mais lento e imersivo conforme o luto toma conta de suas rotinas. De fator, duas horas de duração sobrecarrega o emocional do público, mas Mundruczó não tem sede de chegar ao desfecho e se diverte muito mais confinando o espectador nesse emaranhado de dor e desespero que o luto provoca na mente humana. É de se esperar que essa ânsia de não apressar o desenvolvimento deve afastar grande parte do público da Netflix. Fora isso, é interessante também destacar o uso de uma fotografia lavada, cinza e escura durante toda a projeção, assim como o constante clima frio da cidade, algo que só se altera no desfecho solar, quando a “esperança” retorna para a vida dos personagens. Todas as escolhas visuais da obra são saturadas de melancolia.

Conclusão

Com uma atuação sensível e visceral de Vanessa Kirby, Pieces of a Woman é o tipo de obra que derruba o emocional do público através do excesso de realismo da direção e de uma história humana, carregada de dor, angústia e luto, que vai partir seu coração em pedaços sem se preocupar em reconstruí-lo. Ainda que o diretor pese a mão na densidade do drama e tenha alguns problemas de ritmo aqui e ali, a jornada de uma mãe sem seu filho e o vazio que habita a alma de uma mulher em pedaços, faz desse um dos filmes mais intrínsecos da Netflix e que deve marcar presença forte no Oscar.

Nota: 8/10

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