Crítica | Kadaver mantém o suspense, mas é previsível

É comum uma obra usar a sofisticação técnica para disfarçar imperfeições de roteiro e até mesmo da direção. A sensação é de que todas as engrenagens estão funcionando muito bem, mas apenas uma, talvez a mais fundamental de todas, tenha sido colocada para girar para o lado oposto e, ainda que se torne evidente seu descompasso, o restante caminha perfeitamente, como acontece com o intrigante e criativo suspense ‘Kadaver’, nova aposta norueguesa original da Netflix que, assim como ‘O Poço, chegou sem alarde no catálogo, mas merece bastante atenção, especialmente por conta de sua qualidade técnica e seu visual estonteante, sombrio e sinistro. Nesse caso, a engrenagem que não funciona se deve ao fato de a premissa ser ótima, mas sua construção deixar a desejar.

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A trama e o elenco

O suspense se passa em um bizarro e obscuro mundo pós-apocalíptico cuja sobrevivência é o único pensamento dos personagens. Certo dia, todos da cidade devastada por uma guerra nuclear e pela fome, recebem o convite para participar de uma peça teatral que irá ocorrer em uma enorme e rica mansão. No lugar, todos os sobreviventes percebem que, na realidade, estão em uma espécie de escape room assustador, onde a ficção se mistura com a realidade. Dessa premissa, nasce um filme realmente diferente e original em sua proposta, especialmente pela forma como envolve o espectador em seus mistérios e na ambientação dark e gótica daquele mundo.

A fotografia terrosa, escura e sombria cria a atmosfera perfeita de horror, somado ao trabalho impecável da direção. Porém, as falhas existem e se tornam cada vez mais presentes conforme a narrativa avança e conhecemos mais afundo os personagens. Ainda que diferente de muita coisa recente, o roteiro peca em ser previsível e não saber trabalhar uma reviravolta decente, que se torna necessária nesse tipo de filme. O elenco, por sua vez, está ótimo, especialmente a protagonista, vivida pela ótima Gitte Witt, que dá vida e emoção a Leonora, enquanto busca sua filha desaparecida dentro do enorme teatro. Destaque também para Thorbjørn Harr, que vive o magnata diretor da peça. De modo geral, os personagens são bons, mesmo que caiam nas armadilhas comuns da trama.

A direção e o roteiro

Tendo como base o tão utilizado modelo de ‘Alice No País Das Maravilhas’, o roteiro de Kadaver constrói um mundo realmente divertido de ser explorado e caminha coerente durante sua duração, sem perder o ritmo ou mesmo sua força. O suspense cresce conforme a história avança e isso é algo muito difícil de se manter e aqui funciona muito bem. Porém, infelizmente, acaba não entregando toda a intensidade que almejava e o desfecho encerra sem nenhuma grande surpresa. Seu conflito, tão criativo e creepy, se resolve rapidamente, sem deixar espaço para interpretações.

Já a direção do novato Jarand Herdal é, sem dúvida, a melhor coisa do filme. Impressiona que esse seja seu primeiro longa-metragem, já que a condução é impecável e os planos sofisticados que escolhe realizar, como a câmera atravessar janelas de vidro, planos holandeses, entre outras técnicas modernas, é puro deslumbre visual. A mistura de uma narrativa videogame de ‘Silent Hill’, com ideias de ‘De Olhos Bem Fechados’ e o universo estranho de Tim Burton, define melhor a forma como esse filme se comporta ao ser assistido. É realmente um trabalho delicioso para os olhos e que envolve e fisga o espectador do começo ao fim.

Nas camadas mais profundas

Por dentro das entranhas do roteiro de Kadaver, a trama tem bastante reflexão a ser explorada e faz isso muito bem, seja através de suas inúmeras referências aos clássicos do teatro, como ‘Macbeth’, ou mesmo sobre a ambição humana e a forma como a sociedade se desfaz em época de crise mundial. Um benfeitor rico e poderoso oferece comida aos podres e, por mais bonito que possa parecer, nada é gratuito ou feito em vão nesse mundo de devoradores de sentimentos, onde cada um vive por si, algo que dialoga também muito bem com o período de pandemia em que vivemos. Fora isso, a trama busca mostrar que o mundo é um palco e que todos vivemos nesse espetáculo sinistro que é viver.

Conclusão

Dessa forma, ‘Kadaver’ é um escape room teatral bem sinistro, com uma sofisticação técnica impecável e que mantém o suspense intrigante por bastante tempo, mas falta reviravolta de qualidade no roteiro previsível e poderia ter aproveitado melhor sua premissa criativa e original. Não chega a ser o espetáculo que promete, mas, ainda assim, é bem primoroso para os padrões recentes da Netflix.

Nota: 7

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