Crítica | ‘Borat 2’ expõe a podridão do mundo de forma ácida e sádica

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Muito se debate sobre o limite do humor. Até onde fazer piada com algo sério e importante, como os movimentos negros e a comunidade LGBTQ+, é realmente engraçado. E sim, na grande maioria das vezes, não é. Recortar estereótipos e criar comédia em cima de causas sociais é, sem dúvida, um ato covarde e malicioso, que disfarça o ataque de ódio com a justificativa de estar trazendo mais leveza para o assunto, o que sabemos que não é bem assim. Digo isso, pois é importante entender também o intuito da risada e onde cada obra particular deseja chegar. ‘Borat’, por exemplo, desde seu lançamento em 2006, com o gigante título ‘O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América’, é totalmente trabalhado para ser um sátira ácida e polêmica sobre tabus mais intensos da sociedade, mas com o importante diferencial: apesar de fazer rir, seu propósito, na verdade, é criticar e, por conta disso, acompanhamos um protagonista totalmente errado, misógino, machista, homofóbico e racista. É como mergulhar fora da bolha, em um mundo ao avesso de tudo que já conquistamos, para ressaltar o quanto ainda falta conquistar. E sim, ‘Borat 2’ (Borat Subsequent Moviefilm), disponível no Amazon Prime Video, consegue ser ainda mais político e catatónico que o primeiro, em todos os sentidos. Ou seria o mundo que está mais absurdo hoje?

A trama e o elenco

Já se passaram 14 anos desde a estreia do primeiro filme que, apesar de ter ido parar no Oscar, até hoje é considerado um dos roteiros mais malucos e polêmicos já feitos. O longa, idealizado pelo talentoso Sacha Baron Cohen (Os 7 de Chicago), foi recebido de inúmeras formas em diferentes países, mas gerou o que tanto buscava: debate. E qual a melhor hora para ter um Borat 2 senão no momento mais bizarro e incoerente que o mundo moderno já viveu, com líderes como Trump e Bolsonaro no poder?

Sim, agora é a hora e a nova trama, ainda com a mesma pegada de pseudodocumentário da primeira, mergulha mais intensamente na politica mundial, especialmente na americana, e usa seu humor exagerado, nonsense e ácido para mostrar, com todas as letras, a importância de sair de casa para ir votar ou aberrações como Trump continuarão vencendo em cima das minorias. Na premissa, o repórter Borat retorna aos EUA da Era Trump para uma nova desventura, porém, dessa vez acompanhado de sua filha, vivida pela hilária Maria Bakalova. De quarentena por conta do coronavírus, até invasão aos comícios da trupe do presidente, o personagem apronta para todos os lados e consegue, até mesmo, mostrar um rápido momento de assédio real cometido pelo advogado de Donald Trump (McDonald Trump, como ele chama), Rudy Giuliani, em que ele é flagrado enfiando a mão nas calças e aparentemente tocando seus órgãos genitais durante uma entrevista falsa.

O roteiro e o humor

A trama de Borat 2 começa mostrando as consequências do primeiro filme e como Borat foi criticado pelo trabalho que fez nos Estados Unidos, como sua rotina se tornou complicada ao colidir com os avanços do mundo moderno, enquanto sua vidinha pacata no Cazaquistão era regada de mentiras e fake news que distorciam a realidade. Com um tom contemporâneo, o roteiro inteligente dessa vez aborda questões como aborto, feminismo, lutas raciais, o poder da internet e das “digital influencers” e como os EUA conservador tem lidado com a pandemia da COVID-19, alegando ser um “vírus chinês”. Cada elemento possui tempo adequado para ter uma piada específica e todas elas incomodam propositalmente, seja pelo teor explícito de alguns diálogos ou pela descontração de como aquele assunto, tão profundo, se resume a uma mera gargalhada.

Porém, mais uma vez vale ressaltar: Borat é o pior sujeito possível e seu protagonismo nos faz ter que digerir o fato de que pessoas como ele existem aos montes, por todas as partes. Haja sangue frio para Sacha Baron Cohen viver o papel e coragem para ser a pior versão de um ser humano em um mundo adoecido, frágil e demoniado por líderes mundiais hipócritas e corruptos. A direção de Jason Woliner acerta em deixar a narrativa menos caótica em relação ao original e entrega tomadas fortes, que ressaltam o humor físico do elenco.  

Conclusão

Dessa forma, ainda mais ácido e sádico que o primeiro, ‘Borat 2’ é um poderoso manifesto político que funciona para expor a podridão do mundo moderno e o palco que damos para falsos líderes mundiais como Trump e Bolsonaro. As piadas são cruéis e difíceis de digerir, algumas passam dos limites, é um fato, mas seu intuito é exatamente mostrar o oposto, o que se esconde por debaixo das gargalhadas, a hipocrisia e perversidade humana em seu grau mais elevado. É divertido em sua essência, faz rir com tamanha insensatez e coragem do roteiro, mas também faz refletir, provoca o espectador e é para isso que o cinema ainda existe, para que a arte tenha sua liberdade criativa e para que um filme como esse, polêmico, incentive a sociedade a votar e mudar essa realidade caótica em que vivemos, afinal, o presidente do Brasil não está tão longe assim de ser um Borat, não é mesmo?

Nota: 8

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