Crítica | A Maldição da Mansão Bly – Muito drama e pouco terror

Publicidade

A excelência narrativa de Mike Flanagan (Doutor Sono), mente brilhante por trás de ‘A Maldição da Residência Hill’, é ímpar entre as produções de terror por ir muito além da convencional história de fantasmas. Suas adaptações de livros consagrados são imersas em um drama humano poderosíssimo, que envolve, emociona e dilacera o coração do espectador. Se na primeira temporada da série antológica da Netflix o drama rouba a cena e deixa os elementos fantasmagóricos em segundo plano, algo que se tornou, talvez, o ponto mais positivo da produção de 2018 e uma enorme surpresas para todos, em seu segundo ano, denominado ‘A Maldição da Mansão Bly’ (The Haunting of Bly Manor), essa característica é ressaltada ao extremo e, na busca por contar uma belíssima e assombrada história de amor, o horror perde força e se dissipa, restando apenas boas intenções e uma jornada triste e profunda sobre depressão e abandono.

A nova trama

O novo ano, assim como o anterior, ainda é sobre os fantasmas do mundo real, tais como sentimentos que aprisionamos e vícios que adquirimos ao longo da vida. Traumas que a mente humana carrega para sempre e nunca se desfaz. A narrativa acompanha diversos personagens, que vivem juntos em uma mansão, chamada Bly, no interior da Inglaterra. Um lugar isolado, silencioso e, claro, cercado de mistérios. Enquanto a 1ª temporada abordou o romance da escritora Shirley Jackson, lançado em 1959 e denominado ‘A Assombração da Casa da Colina’, dessa vez, a produção é baseada em outro clássico da literatura gótica, ‘A Volta do Parafuso’, do autor Henry James, publicado em 1898. E talvez é aí que seja a raiz do único problema que assola a série: a sensação de que já vimos isso antes. A obra de James já foi adaptada para os cinemas, para a TV e para diversas outras mídias à exaustão e, ainda que cada uma tenha uma identidade diferente, todas giram em torno do mesmo plot twist, ou seja, o fator surpresa se torna cada vez mais difícil de ser alcançado. E sinto dizer, não é.

Mas, por outro lado, Flanagan contorna, com bastante maestria, as previsibilidades de uma história que todos já conhecemos e que caminha para o mesmo lugar que filmes como ‘Os Inocentes’ (1961), ‘Os Outros’ (2001) e Os Órfãos (2019), apenas alguns exemplos de como A Volta do Parafuso é popular. O diretor e roteirista mescla outras obras do autor, com a proposta de tratar os “horrores do ser humano” e algumas subtramas modernas, para criar a trama que, ainda que siga a mesma trajetória, ao menos finge nos enganar por algum tempo. Até o quarto episódio, a trama é lenta, focada em apresentar os personagens e a estranheza da gigantesca casa, desenvolvida com bastante tempo para que tudo possa ter seu espaço. Dessa forma, o roteiro constrói as relações entre cada um do lugar com bastante carinho, mas, por outro lado, o terror propriamente dito fica estagnado, assim como os fantasmas, preso em um só lugar.

Com algumas poucas cenas curiosas, perdidas no meio de tanto mistério sobre o passado dos novos personagens, incluindo o da protagonista Dani, vivida pela atriz Victoria Pedretti (a Nell da 1ª temporada), perseguida por um encosto sinistro por conta de uma situação trágica que viveu no passado (aliás, esse plot é bem óbvio e seu desfecho é totalmente mal resolvido), a construção de medo falha e os sustos, ainda que feitos (felizmente!) sem o uso exagerado de jump scares, são isolados demais dentro de uma história que acaba sendo maçante, especialmente pelas idas e vindas no tempo, que entrecortam a narrativa para entregar as respostas aos poucos.

Narrativa não-linear

A partir do capítulo 5 de A Maldição da Mansão Bly’, um novo conceito é inserido e a narrativa, até então praticamente linear, se distorce criativamente e se transforma em algo brilhante, porém, confuso a primeira vista, que lembra a premissa de um filme excelente chamado ‘Sombras da Vida’, cujo fantasma da história vive em uma espécie de “purgatório” por tanto tempo, indo e voltando em suas memórias de quando era vivo, que nem ao menos lembra o que deveria assombrar. Ao explorar, com vigor, uma espécie de loop temporal, para criar um sinistro poço gravitacional, que serve de origem para todo o mal existente na mansão Bly, a história quebra a expectativa do espectador, mas também dá um nó na cabeça dos mais desavisados, culminando em um episódio 8 realmente impecável, rodado em preto e branco e que utiliza o tédio de estar morto e a desilusão do esquecimento em prol de criar uma justificativa para o nascimento do mal. Algo que funciona na premissa, mas não chega aos pés da origem dos fantasmas icônicos da 1ª temporada, como a maravilhosa Moça do Pescoço Torto.

Aliás, se tem algo que o novo ano deixa a desejar são nos fantasmas. Nenhum é realmente marcante e a grande maioria assusta bem pouco em relação as criaturas já apresentadas na série. Apesar disso, maior realismo é alcançado e os “vilões” possuem mais alma e coração. Bem, pelo menos alguns, já que outros existem apenas para preencher cantos escuros e fazer o espectador caçar suas aparições durante os episódios, algo que se tornou marca registrada da série. A direção de Mike Flanagan, por sua vez, é excepcional como de costume.

A direção

O diretor trabalha de forma impecável o terror sugestivo e a escuridão do ambiente para criar a atmosfera de suspense ideal. É imersivo a forma como manipula o medo no público, mas, infelizmente, não há nada comparado a obra prima que foi o 6ª episódio da 1ª temporada, quase por completo rodado em plano-sequência. Era de se esperar que o nível fosse subir, mas apenas se mantém, sem surpresas. Dessa vez, o diretor usa e abusa da montagem cinematográfica no capítulo 8, que funciona quase isolado dentro da história, já que se passa muitos anos antes dos eventos da trama principal e tem como protagonista um rostinho bem conhecido da temporada anterior.

O elenco

Por falar nisso, o elenco de A Maldição da Mansão Bly’ está o mais puro espetáculo. Há alguns retornos de surpresa e velhos conhecidos, com a excelente Victoria Pedretti (Você) e o talentoso Oliver Jackson-Cohen (O Homem Invisível). A dupla, assim como o elenco infantil, destaque para adorável Amelie Smith, entregam novamente performances poderosas, que tornam a série realmente preciosa, porém, o carisma de Pedretti não é o suficiente para segurar a trama como protagonista, diferente da anterior, que majestosamente divide o protagonismo entre tantos bons personagens. Outra ótima adição ao elenco fica por conta da atriz T’Nia Miller (Years and Years), que diverte e emociona. Já Henry Thomas (Jogo Perigoso), apesar de ter um episódio inteiro focado em sua jornada (o “Cantos Secretos”), merecia mais destaque. Outro detalhe: o modelo ‘LOST’, de cada capítulo ser focado em uma pessoa, ainda existe, mas é mais flexível que antes, o que é uma pena. A fotografia com filtro esverdeado e desfocado também está presente, reflexo de identidade visual de Flanagan e sua assinatura autoral.

Conclusão

Para ser uma temporada ruim, ‘A Maldição da Mansão Bly’ está bem longe, mas nem por isso deixa de sofrer com o peso da expectativa que necessita superar, já que o primeiro ano estabeleceu um nível altíssimo de qualidade que, infelizmente, não é ultrapassado dessa vez. O problema está em adaptar um conto clássico, rico em momentos de horror, mas exaustivo de tanto que já foi adaptado. Porém, ao menos a narrativa se mantém intrigante e absolutamente bela por boa parte do percurso. O drama, ainda mais melancólico e dilacerador, ofusca o terror gradativamente. Mas se engana quem acha que a série da Netflix é sobre fantasmas convencionais. A franquia ‘A Maldição’, na realidade, é sobre perdão, luto, depressão, superação e, acima de tudo, uma história de amor que atravessa os limites entre a vida e morte. Uma preciosidade singular e, ainda que não consiga alcançar o patamar de excelência do primeiro ano, ainda assim é perfeitamente esplêndida no que se propõe.

Nota: 7

Última Notícia

Mais recentes

Publicidade

Você também pode gostar: