Crítica | A Prima Sofia – Roteiro sem rumo ofusca drama sobre descoberta da sexualidade

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“Coming of age” é um subgênero que dá para ser retratado com bastante variedade de formas, desde a comédia leve e reflexiva até dramas mais intimistas e sensíveis, porém, quando um filme fica nesse meio termo, sem saber para onde ir, aí então é difícil estabelecer uma conexão emocional com ele, algo que é fundamental que haja nesse tipo de obra. Certamente, por conta dessa falta de rumo que ‘A Prima Sofia’ (An Easy Girl), drama da Netflix premiado no Festival de Cannes, tenha dificuldade de estabelecer um apreço com o público, ainda que sua narrativa seja bastante intrigante e roupagem de “filme de verão” o aproxime de obras solares como ‘Me Chame Pelo Seu Nome’, por exemplo.

A trama começa lenta, mas segue seu próprio tempo de desenvolvimento dos personagens, especialmente por apresentar duas meninas completamente diferentes entre si e suas complexidades. Dois tipos de mulheres. A protagonista, vivida pela atriz Mina Farid, é doce e tímida, mas com nuances de ambição, já a sua prima, vivida por Zahia Dehar, é vulgar, ousada e usa seus talentos para conquistar os homens e chegar onde deseja. Naima vê em Sofia uma versão do que ela poderia ser e começa a viver a vida da prima, inclusive, se afastando das amizades e da vida humilde que costumava ter. Se por um lado o roteiro busca tratar sobre a liberdade sexual feminina de uma forma bem aberta e direta, por outro, acaba expondo demais o corpo de Zahia Dehar e peca em desenvolver precariamente sua personalidade, já que o foco é apenas “ser a sexy”, desperdiçando a oportunidade de mostrar todas as nuances.

Além disso, a trama (apesar de não mostrar isso de forma explícita) sugere que a protagonista, de apenas 16 anos, deseja se envolver com um homem mais velho, especialmente por ver sua prima (maior de idade) ter esse comportamento. Esse detalhe é polêmico e certamente merecia mais aprofundamento na discussão, algo que o filme não faz, afinal, o jogo é brincar com desejo e sedução. As meninas são objetos de desejo sexual dos homens e essa narrativa vem disfarçada de “poder feminino”, sendo que o roteiro nunca, de fato, toca nesse ponto com vigor. A diretora Rebecca Zlotowski (Além da Ilusão) acaba se perdendo em sua própria proposta e não sendo clara na mensagem sobre libertação que tanto deseja passar. As personagens não são fortes como se espera, são puro instrumentos, uma vai na onda da outra e a outra não possui camadas para ser algo além de “um rostinho bonito e sedutor”.

Ainda assim, a ambientação é calorosa e romântica de uma forma nostálgica. As canções criam essa atmosfera de “amores de verão” e os longos planos de diálogos e dos cenários belíssimos de Cannes são o suficiente para que possamos imergir na proposta e sentir o frio na barriga do primeiro amor e/ou da descoberta da sexualidade na adolescência. A narrativa funciona como contemplativa, mas começa de um determinado ponto e termina nesse mesmo ponto. Não há uma evolução das personagens e, após toda a experiência que passam, terminam exatamente da mesma forma, como  se nada do que viveram nesse curto período tivesse, de fato, tido alguma importância em suas vidas. E se não teve, toda a história foi em vão e o espectador acompanhou uma jornada desnecessária, tanto para a vida daqueles personagens, quanto para sua própria, já que não há mensagens importantes e nem mesmo termina de forma reflexiva. Vai do nada para lugar algum.

Conclusão

Com isso, ‘A Prima Sofia’ consegue envolver o espectador em uma atmosfera solar, sobre o período nostálgico da descoberta da sexualidade, porém, seu roteiro sem rumo ofusca qualquer mergulho mais intenso. É evidente que a produção bebeu da fonte das Nouvelle Vagues, já que busca expressar a liberdade feminina com bastante vigor, ainda que a mensagem se perca pelo caminho por conta da falta de profundidade nas personagens. Está longe de ser um filme descartável e insensível, mas poderia facilmente ter sido muito mais marcante e instigante do que consegue ser.

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