Crítica | ‘Power’ se destaca entre as demais produções de super-heróis atuais

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Os filmes de super-heróis já se tornaram um forte e importante subgênero do cinema contemporâneo e, diferente da trajetória dos demais gêneros, esse não segue uma estrutura convencional, que abraça a paródia quando está em seu fim, por exemplo. No entanto, o modelo Marvel já está se tornando cansativo após 10 anos de produções livres de qualquer tipo de violência ou ousadia. Enquanto esse núcleo segue firme e forte entre o público mais jovem, outras vertentes estão começando a surgir para trazer um frescor ao gênero e agregar um pouco mais de tempero às produções de humanos superpoderosos, como vemos em ‘Power’ (Power Project), Original Netflix cuja premissa é construir um mundo realista e sombrio, onde cada indivíduo pode ter superpoderes caso tome uma poderosa droga, desenvolvida para elevar a raça humana à outro nível de evolução. Dentro dessa construção de universo, a trama é riquíssima em partir para caminhos ainda pouco explorados, porém, não se afasta do modelo pré-estabelecido.

A famosa frase “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” ganha um novo e obscuro significado quando se torna possível que cada indivíduo do planeta Terra possa se tornar um super-herói (ou mesmo um vilão), através de uma pílula que utiliza o DNA de animais para transformar nosso corpo em algo indestrutível, ou para que possamos controlar o calor e o frio, ou mesmo para ter uma força descomunal. A intensidade dos poderes é uma surpresa e, com fácil acesso, qualquer um pode tomar a tal droga e assaltar um banco ou usar suas habilidades para provocar caos na cidade. Ou seja, o roteiro de ‘Power’ é perspicaz e utiliza, em paralelo, a responsabilidade que temos uns com os outros para questionar o nível de poder que damos aos nossos “líderes”. Carregada de metáforas, a trama é assertiva em trazer algo tão fantasioso e cobiçado, para um contexto realista, possível e contemporâneo.

Além dessa forte camada reflexiva submersa nas profundezas do roteiro, a narrativa é enérgica e a montagem é apressada e frenética. Como um convencional filme de super-herói, há bastante cenas de ação bem realizadas e com efeitos especiais que surpreendem até. Os momentos de luta e perseguição são divertidos e engenhosos, afinal, cada pílula dá um poder diferente a cada pessoa e isso torna a batalha mais interessante e instigante de ser acompanhada. Nuances entre ‘X-Men’ e filmes como ‘Heróis’ e ‘Upgrade’ trazem a narrativa para um lado sombrio e violento, que funciona nesse contexto do submundo das drogas nos Estados Unidos (que mais parece Gotham City). Até mesmo a “overdose” trata-se de uma super explosão do corpo que, visualmente, provoca medo e curiosidade, além de entregar um descontrole interessante aos vilões e momentos de puro horror. Já a parte técnica, ainda que a direção de fotografia tente criar um mundo cyberpunk futurista, falta cor e energia. As cenas de ação são escuras demais, talvez para disfarçar pequenas imperfeições dos efeitos especiais, e isso impede que o longa seja esteticamente envolvente ou tenha uma identidade singular.

Por outro lado, a condução da dupla Henry Joost e Ariel Schulman, que inclusive são os responsáveis por outro filme muito similar, ‘Nerve: Um Jogo Sem Regras’, sabe guiar as sequências de ação pelas ruas da cidade e brincar com as possibilidades narrativas e planos ousados, perfeitos para esse tipo de obra cuja adrenalina corre nas veias do roteiro. Além disso, a direção também conduz bem os momentos mais dramáticos e utiliza bastante câmera lenta para dar ênfase na intensidade dos poderes dos protagonistas. E por falar neles, Jamie Foxx (Django Livre) está espetacular ao lado da jovem Dominique Fishback (O Ódio que Você Semeia). A jovem vive uma traficante que precisa de dinheiro para ajudar sua mãe e, ainda que não vejamos seus poderes na prática, ela funciona como um importante elo entre o mundo macabro e ambicioso das drogas e a visão do espectador, que está descobrindo esse universo aos poucos.

Já  Joseph Gordon-Levitt (500 Dias Com Ela) interpreta um detetive da polícia de Nova Orleans que vê nas superdrogas a única possibilidade de deter os bandidos. A performance do trio está boa e condizente com a proposta irreverente, mas é Rodrigo Santoro (Westworld) que rouba a cena como o vilão estereotipado e megalomaníaco, necessário para criar antagonismo à trama. Infelizmente, suas cenas são curtas demais para expressar todo seu talento.

Porém, quando destrinchamos o roteiro minuciosamente e retiramos a boa reflexão que provoca, a estrutura não tem nada de inovadora em relação aos demais filmes e séries, como ‘The Boys’, por exemplo, que também flerta com o realismo e a quebra da fantasia e inocência provocada por filmes com protagonistas heroicos. Os vilões são gananciosos e estereotipados, como de costume, sem nuances de personalidade. Além disso, há poucas surpresas e reviravoltas que já não fossem anunciadas desde o começo. Não há mortes significativas, apesar do teor de violência e o desfecho revela, preguiçosamente, uma personagem importante que pode curar qualquer pessoa e, inclusive, ressuscitar os mortos, ou seja, um forte problema para possíveis sequências, já que o roteiro precisará criar regras para o uso de seus poderes, caso contrário, será um exemplo perfeito de “over power”. O clímax, ainda que visualmente impactante, deixou pontas soltas e a trama termina com mais perguntas que respostas.

Dessa forma, são as ótimas cenas sombrias de ação e o roteiro inventivo que destacam ‘Power’ entre as demais produções de super-heróis atuais, especialmente por usar os poderes provocados pela tal droga para questionar o caráter dos seres humanos e os problemas da sociedade. Em um contexto obscuro e realista, a trama desenvolve uma atmosfera interessante, que representa uma vertente promissora do gênero, porém, como estrutura, segue o mesmo modelo de tantas outras. Ainda assim, a adrenalina corre livremente do começo ao fim e a diversão é garantida.

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