Crítica | Solteiramente – Romance mais sem sal do que comida de hipertenso

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O desespero da Netflix em preencher catálogo fez mais uma vítima. Na realidade, as baixas são tão grandes que chega ser complicado expressar por escrito a indignação diante de obras tão mal desenvolvidas, feitas as pressas e que só servem para contar visualização no streaming. ‘Solteiramente’ (Seriously Single), comédia Sul-Africana, não está sozinha nessa tour cansativa para Chernobyl que a Netflix tanto está realizando esse ano, mas o filme preenche todos os pré-requisitos para entrar na categoria de “genérico” do catálogo. Atores fracos e sem ânimo? Tem. Humor exagerado e sem graça? Tem. Roteiro todo desenvolvido na base de clichês? Tem. Adultos vivendo uma vida de adolescente? Tem. E, além disso, um romance mais sem sal do que comida de hipertenso.

A construção dramática é extremamente mal estruturada, já que o roteiro não utiliza seu tempo inicial para que possamos nos identificar e ter empatia pelos personagens. Ao invés disso, já começa com o humor novelesco, que se torna cada vez mais previsível conforme a história se desenvolve e culmina em um agrupamento de piadas ruins e superficiais, que mais parecem terem sido escritas por um adolescente imaginando como seria a vida de um adulto bem-sucedido. Aliás, é dessa forma que vivem os protagonistas e suas buscas desenfreadas pelo amor duradouro, em épocas de amores líquidos.

Enquanto o galã é a mais pura personificação do “cafajeste” disfarçado de “bom moço”, que o roteiro passa pano com vigor para suas atitudes, a protagonista, vivida pela atriz Fulu Mugovhani, é a parte do relacionamento que insiste em fazer dar certo algo que já nasceu fadado ao fracasso e, por conta de pessoas assim, tantos relacionamentos acabam se desfazendo. A pressão que ela coloca em cima do parceiro, ainda que seja por conta de sua vontade exagerada de não ficar sozinha, acaba ofuscando sua personalidade e jogando no lixo qualquer iniciativa do roteiro de trabalhar o amor próprio e o “não preciso de ninguém para ser feliz”. Pois é.

Da outra ponta da trama tem a exagerada e irritante amiga, vivida pela atriz Tumi Morake, que parece existir inicialmente para colocar a cabeça da protagonista no lugar certo, mas que acaba, assim como todos dessa história desconexa, replicando estereótipos e problemas. Um alívio cômico sem graça dentro de um filme cuja premissa já é, por si só, um alívio cômico sem graça. Já a parte técnica, essa segue incontestável como algo feito sem ambição nenhuma. A iluminação não parece adequada para as cenas, a maquiagem do elenco destoa, falta uma trilha sonora mais marcante, que tanto funciona em comédias românticas clichês, e a direção da dupla Rethabile Ramaphakela e Katleho Ramaphakela apenas entrega o básico do básico, com alguns erros de continuidade e cortes estranhos no meio para dar um gostinho mais amargo de derrota.

A narrativa segue a mesma de todas as comédias românticas com tramas rasas, desde seu começo até o desfecho já pré-planejado. Sem agregar nenhuma novidade ao gênero ou usar suas quase duas horas de duração para desenvolver mensagens contemporâneas e importantes sobre viver consigo mesmo e encontrar a felicidade após o fim de um namoro conturbado. É puro desperdício de energia e dinheiro em algo que não caminha para lugar algum e, se não fosse por seu elenco majoritariamente negro, reflexo da atual inclusão da indústria, que visa mais espaço nos filmes, seria uma produção esquecível assim como tantas outras.

Dessa forma, ‘Solteiramente’ é o reflexo assustador e triste de uma Netflix desesperada para preencher catálogo com produções contestáveis. O roteiro brega parece satisfeito em entregar uma comédia exagerada, sem a menor graça e um romance ainda mais desconjuntado, que não agrega novidade nenhuma ao gênero. Apesar de um elenco inclusivo e representativo, não há mais nada além disso que o longa possa nos presentear e que, sinceramente, nos faz questionar se a indústria do cinema não anda precisando urgentemente de uma reforma de roteiristas, antes que as comédias românticas sejam, de uma vez por todas, soterradas pelo modelo ultrapassado que desenvolvem o sentimento de amor. É um desperdício que cansa.

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