Crítica | SCOOBY! O Filme – Franquia se reinventa sem perder a essência do mistério

Se tem algo na cultura pop que parece existir desde sempre, esse algo é a franquia Scooby-Doo. Ainda que tenha sido criada no final dos anos 1960, sua estrutura narrativa influenciou diversas obras desde então e, porque não dizer que a animação foi sim uma das pioneiras no uso divertido do plot twist, já que, a cada desfecho de episódio, o tal mostro era revelado ser algo completamente fora do esperado. Inclusive, essa artimanha se tornou uma espécie de referência para filmes de terror cuja premissa dá uma volta de 360º e entrega um final maluco. No entanto, com mais de 60 anos de histórias, como uma boa marca, precisa se reinventar para atingir o novo público que consome um conteúdo completamente diferente nos dias de hoje. Nessa questão, ‘Scooby! O Filme’, primeiro longa da franquia feito completamente em animação digital, é extremamente bem-sucedido, tanto pela escolha de modernizar seus traços, quanto por criar uma história que dialoga diretamente com a atual “Geração Alpha”.

Com um roteiro dinâmico e engenhoso, que pega carona na atual febre de super-heróis, a trama tem a função de servir de origem, tanto para a amizade entre Salsicha (Will Forte) e Scooby (Frank Welker), quanto para a formação do grupo de jovens que saem por aí em busca de solucionar mistérios com sua van chamada Máquina do Mistério. Através de uma longa introdução, que mostra como o solitário Salsicha conhece o Dogue Alemão falante chamado Scooby-Doo em sua infância, a premissa já deixa bem claro que esse será um filme sobre a dupla de amigos e que Fred (Zac Efron), Velma (Gina Rodriguez) e Daphne (Amanda Seyfried) serão os coadjuvantes. Essa escolha é ótima pois são, de fato, os dois personagens com mais carisma, além de suas personalidades medrosas e brincalhonas ser um bom ponto de exploração para a mensagem principal: o amadurecimento. A esperteza do filme e o seu diferencial está exatamente em mostrar miniaturas dos clássicos personagens em suas versões crianças, algo que também está na moda, para conquistar o espectador pela ternura e fofura. E, como já era de se esperar, consegue.

Aprofundar personagens e dar camadas que ainda não conhecíamos das animações soa uma ideia ousada, que pode cansar o público infantil com tanta história de origem, mas é interessante como a trama, assim como os filmes da Pixar, trabalha paralelamente para dois tipos de público: os fãs do desenho original e as novas crianças, que nunca ouviram falar de Scooby-Doo. Nesse quesito, as piadas mais elaboradas, sobre a cultura pop, como uma sobre a Netflix e até mesmo sobre o Tinder, são feitas para adultos e a aventura megalomaníaca, que é preciso ter bastante suspensão da descrença, feita para as crianças. A dinâmica funciona e, ainda que obviamente o tom seja infantil, é fácil de ser assistida por todos. A essência dos personagens, assim como da premissa investigativa  e a canção-tema, estão presentes com força. Até mesmo as onomatopeias da animação 2D ganham vida e contraste nesse mundo 3D hiper-colorido.

Aliás, o gráfico é algo realmente muito deslumbrante e lembra videogames. Em determinadas cenas, a direção de fotografia esverdeada mergulha na atmosfera de suspense e de “mal-assombrado”, que é puro deleite visual. A explosão de cores vivas e os cenários tecnológicos são impecáveis. Assim como as ótimas sequências de ação e aventura, comandadas pelo diretor Tony Cervone (curiosamente especialista de animações 2D), que mal deixa a trama respirar e culminam em um clímax grandioso e divertido, do grupo precisando enfrentar um gigantesco monstro enquanto lidam com dilemas sobre amizade e crescimento. Além da aventura ser certeira e desenfreada, o roteiro utiliza muito bem sua galeria de personagens clássicos do estúdio Hanna-Barbera, que dão um calorzinho no coração ao reconhecê-los em uma versão moderna. Seja Dick Vigarista (Jason Isaacs) e seu cachorro Muttley, Dinamite (o Bionicão) ou mesmo o icônico Capitão Caverna (Tracy Morgan), a saudade da ‘Corrida Maluca’ bate forte. Entre esses, o Falcão Azul (Mark Wahlberg) é o que possui maior destaque e um arco dramático estabelecido. Essa releitura mostra o filho do super-herói clássico que precisa aprender a carregar o legado do pai.

Com isso, ‘Scooby! O Filme’ se mantém forte através da nostalgia que provoca, mas consegue se reinventar com muita criatividade, sem perder a essência que fez a animação ser tão divertida. É um filme de origem e como tal, usa de forma consciente sua enorme galeria de personagens e, com ritmo desenfreado, entrega uma aventura super colorida e bem animada, que introduz esse mundo insano para as novas crianças enquanto faz o público adulto rir de algumas piadas sobre a cultura pop. Ainda que a animação 3D possa enfraquecer a identidade visual das feitas à mão, um triste fato recorrente, continua sendo uma animação despretensiosa, que veríamos no sábado de manhã na TV. Nem melhor e nem pior, apenas diferente.

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