Crítica | ‘A Vida e a História de Madam C.J. Walker’ é divertida e inspiradora

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A história de vida de Madam C.J. Walker por si só já é extraordinária. Ser a primeira mulher negra que enriqueceu por conta própria nos Estados Unidos do século passado não é uma tarefa fácil, ainda mais em uma época em que a segregação racial ainda existia. Sua jornada, que vai da pobreza até os dias de luxo através de um árduo trabalho na indústria de cosméticos especializados para cabelos de mulheres negras, é contada através da minissérie da Netflix ‘A Vida e a História de Madam C.J. Walker’ (Self Made: Inspired by the Life of Madam C.J. Walker). No entanto, apesar de ser uma história extremamente relevante e contar com mensagens indispensáveis, sobre temas que estão em alta na indústria do entretenimento, sua construção narrativa deixa a desejar em certos aspectos, que também merecem ser debatidos.

Para começar, é preciso compreender que a minissérie, com apenas quatro episódios, é bem sucedida no que se propõe e consegue entregar a mensagem de luta e dedicação que foi a vida difícil de Sarah Breedlove. A quantidade reduzida de episódios ajuda a manter um ritmo dinâmico e a trama se desenvolve com mais energia, porém, é também essa correria apressada que afeta seu impacto como um todo, já que, de um episódio para o outro, há passagens de tempo não citadas, avanço nas histórias dos personagens coadjuvantes que deixam lacunas em seus desenvolvimentos e saltos temporais que acabam desconectando o espectador que, mesmo sabendo das dificuldades da protagonista em construir sua marca, o roteiro faz apenas recortes de suas conquistas e deixa de escanteio importantes derrotas, que também serviriam para trabalhar o emocional do público e a estruturação da empatia.

Não que a protagonista não consiga desenvolver um laço de afeto com o espectador, afinal, o trabalho de Octavia Spencer, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em ‘Histórias Cruzadas’, é profundo e doce, porém, há passagens na trama (como o tal roubo da fórmula) que desviam o caráter da personagem e, mesmo que isso tenha suas justificativas, cabe ao roteiro contornar a situação e dar mais carisma à protagonista, algo que se perde de forma gradual conforme Madam começa a enriquecer. Ou seja, no primeiro episódio conhecemos uma mulher fragilizada, que era constantemente agredida por seu marido e que não via no padrão de beleza da sociedade uma identificação. Uma mulher que precisava lutar o dobro, não apenas por viver em um mundo extremamente machista e misógino, mas também por ser uma negra de pele escura. O roteiro constrói muito bem sua personalidade forte e destemida, por vezes vista como antipática e difícil, exatamente por precisar se impor duas vezes mais que as outras. Mas, é após esse bom começo, que sua força acaba se diluindo, muito por conta da já citada passagem de tempo apressada.

É inegável o espaço que o roteiro dedica para tratar temas profundos e fazer o espectador refletir sobre a luta de classes e como uma pessoa talentosa, inteligente e dedicada não consegue ter sucesso, apenas por ser negra em um mundo racista, algo que está presente até os dias de hoje com bastante força e que, sempre que possível, necessita ser debatido afim de educar. Se por esse lado seu propósito é cumprido com vigor, pelo lado da subtrama LGBTQ+ há deslizes e mensagens que se perdem pelo caminho, ainda que o desfecho venha a ter uma mensagem de liberdade tal como tem. A filha de Madam, vivida pela atriz Tiffany Haddish (Viagem das Garotas) entrega uma atuação vigorosa e emotiva, um dos destaques do elenco que, aliás, também acerta em ser majoritariamente negro. Ao lado da também ótima Carmen Ejogo (Uma Noite de Crime), apesar de sua personagem ser problemática e não caminhar para frente como as demais. Sua presença é apenas para preencher o cargo de “vilã” que gera conflitos, sendo que, mesmo que tenha tido uma atitude cruel no começo, viu seu trabalho ser plagiado e aperfeiçoado, ou seja, sua motivação é compreensível, mas acaba sendo tratada pela trama como conspiração e inveja, algo que vai ao contrário da sororidade proposta.

Essa falta de cuidado aos detalhes de algumas personagens é o principal demérito da direção de Nicole Asher, ainda que sua presença seja fundamental para que a história seja contada da forma correta, já que possui lugar de fala e, grande parte da trama, consegue expressar sua voz e visão com entusiasmo. Por outro lado, a direção de arte, figurino e cabelo estão impecáveis em recriar o começo do século passado. Nesse aspecto, os detalhes são trabalhados minuciosamente e ajudam na imersão. Aliás, imersão curiosa, já que, tanto a montagem quanto a trilha sonora, são contemporâneas e provocam um contraste interessante com a história de época. Fora alguns momentos fantasiosos exagerados e soltos, que servem para mostrar os pensamentos hilários da protagonista, os cortes secos e o ritmo acabam funcionando.

Dessa forma, a minissérie ‘A Vida e a História de Madam C.J. Walker’ é eficaz em sua mensagem de empoderamento feminino em tempos machistas e faz Octavia Spencer brilhar mais uma vez como a fantástica atriz que é, no entanto, há passagens temporais que desconectam o espectador da emoção e algumas decisões do roteiro que vão contra a proposta de mostrar a sororidade entre as mulheres. Ainda assim, é uma excelente, dinâmica e direta obra para se entender o racismo estrutural e como foi (e ainda é!) a luta duas vezes mais árdua das mulheres negras no universo dos homens brancos. Além de educar e propor uma reflexão, certamente irá divertir e inspirar.

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