Crítica | ‘O Silêncio da Cidade Branca’ perde a oportunidade de ser um ótimo filme

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Ainda que um bom roteirista consiga driblar as dificuldades e selecionar o que se encaixa melhor dentro da proposta, é fácil se perder quando o material de base é um livro de quase 500 páginas, cuja história complexa possui tempo para se desenvolver e desdobrar sem a necessidade do ritmo do cinema. Adaptar certos livros para outras mídias é um desafio enorme e ‘O Silêncio da Cidade Branca’ (El silencio de la ciudad blanca) configura como um ótimo exemplo de que nem todas as histórias funcionam quando são extraídas das páginas, ainda mais se fizer parte de uma trilogia de livros em que cada um completa o anterior. Esse excesso de informação em tela, ao invés de instigar, confunde o espectador e transforma a obra em passeio apressado por um terreno que, se fosse desenvolvido com maior cuidado, teria bons frutos para colher.

A trama do thriller espanhol da Netflix até busca trazer novidade aos filmes de serial killer e, no primeiro momento, brinca com referências à ‘Jogos Mortais’ e ‘O Silêncio dos Inocentes’, ao apresentar seu psicopata de forma misteriosa e disseminar os mistérios a conta gotas para construir o suspense, que funciona bem e instiga nosso envolvimento. Porém, a receita desanda muito rapidamente quando o roteiro começa a se afastar dos mistérios e entrega demais, antes da hora, em especial, a identidade do assassino e seus motivos perversos por trás dos crimes, segurando o suspense apenas na construção do passado do mesmo, elemento infinitamente menos interessante do que sua identidade. Esse é apenas um dos desequilíbrios da trama, que ainda desenvolve mal seus personagens rasos e bagunça os enigmas para parecer complexo, no entanto, se torna apenas confuso e cansativo.

O excesso de subtramas inseridas ao mesmo tempo só não é pior por conta do bom trabalho de direção do espanhol Daniel Calparsoro (Cem Anos de Perdão), experiente nesse tipo de obra e que se dedica a entregar bons enquadramentos, ainda que falhe no mais importante: as cenas de ação. Além de repetitivas, são mal cortadas e sem nenhuma engenhosidade, apenas os policiais correndo atrás do assassino diversas vezes, em cenários diferentes. Outra falha da direção é na construção da emoção, já que pouco nos importamos com os protagonistas e suas perdas não surtem nenhuma comoção. O elenco, apesar de entregar o proposto, também não ajuda muito nesse envolvimento emocional. Javier Rey (Hache), que vive o protagonista Unai López, não consegue segurar a trama sozinho e nem mesmo a ótima e experiente Belén Rueda (Os Olhos de Júlia, O Orfanato) sai do piloto automático, sendo os demais, igualmente sem intensidade e mal utilizados.

A direção de fotografia, por sua vez, é bela e ressalta os cenários misteriosos de Vitoria, no País Basco. Aliás, a atmosfera criada pelo ambiente é intensa e curiosa, assim como a dinâmica dos crimes, que remete a crenças religiosas, como Adão e Eva, já que todas as vítimas têm idades múltiplas de cinco, sobrenomes compostos originais da região e seus corpos são expostos sem roupas nos espaços públicos, sendo executadas sem derramamento de sangue. O vilão, meticuloso, não deixa pistas de como cometeu os crimes, porém, são suas decisões estúpidas e superficiais fora disso que contradizem sua personalidade “inteligente”, ou seja, mais um sinal evidente do mal desenvolvimento dos personagens, que mostra que, em determinado ponto, a história dá um nó e se perde por completa pela overdose de explicações e flashbacks que empobrecem a narrativa, até um desfecho vergonhoso de tão desajustado.

Dessa maneira, ainda que o best-seller ‘O Silêncio da Cidade Branca’ tenha uma trama intrigante e promissora, sua adaptação para a Netflix enfraquece o material de base, com um roteiro mal elaborado e sem coragem de bancar a ousadia que se submete. O resultado é um thriller genérico e vazio, que segue à risca todos os clichês do gênero, desenvolve mal seus personagens e desperdiça a oportunidade de ser um ótimo filme de serial killer. Totalmente decepcionante, desde seu suspense que se dissipa apressadamente, até seu vilão contraditório e sem engenhosidade.

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