Crítica | ‘O Chamado da Floresta’ ensina ‘O Rei Leão’ como se faz um animal digital com carisma

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“O filme tem um final feliz”, diz o material de divulgação de ‘O Chamado da Floresta’ (The Call Of The Wild). É importante começar com essa frase para entender o valor que a aventura agrega ao gênero já saturado de “filmes de cachorro”. O que geralmente se torna uma estratégia do roteiro para fisgar o público pelo coração, através da morte do animal no final, aqui subverte esse fato na tentativa de conquistar por outros meios, e, já entrega de antemão que o tão adorado cachorro vai sobreviver à sua jornada e que sua morte não servirá de afago para deixar um ar emotivo no desfecho e, com isso, toda a falta de originalidade do roteiro ser perdoada, como acontece com ‘Togo’, por exemplo, filme extremamente similar a esse, mas que teve seu lançamento direcionado para o serviço de streaming da Disney, certamente para que não houvesse comparações entre os dois, uma vez que ‘O Chamado da Floresta’ funciona bem melhor no que se propõe.

A trama, baseada em um livro do autor Jack London (datado de 1903), ainda que possua lapsos de originalidade, é a feijão com arroz básica desse tipo de filme, afinal, já serviu de inspiração para muitas obras desde que foi publicada e já esteve presente nas telonas em intermináveis outras adaptações. Dessa vez, apesar de ser criado como um animal de estimação, Buck (uma mistura da raça São Bernardo com Pastor de Shetland) é um cão de grande porte e que possui muita energia e força. Após ser roubado de sua confortável e calorosa casa na Califórnia, por um caçador de recompensas, parte em uma inesperada jornada pelo Canadá, onde descobre seu propósito no mundo e encontra seu destino: ser um animal livre. Sim, quando digo que ele “descobre” seu propósito, digo isso pelo fato de que o cachorro é muito mais inteligente, curioso e sábio do que um animal convencional, e é aí que também habita o grande problema da produção.

Criado completamente através de computação gráfica, algo que permite que o animal possa fazer mais acrobacias do que se fosse utilizado um cão de carne e osso, o personagem é altamente expressivo, engenhoso e intuitivo, dessa forma, é uma luta constante entre o roteiro, que defende que o cachorro seja tão carismático quanto os personagens falantes da Disney, e a direção de Chris Sanders (Como Treinar o Seu Dragão), que tenta deixar a história realista e plausível, algo que vai na contramão das atitudes do animal. Ainda se ligarmos a chave da suspensão de descrença, há momentos em que o excesso de presepadas (como a cena em que o cachorro ajuda um personagem a parar de beber, é sério!) nos tira completamente da história. Esse desequilíbrio é constante e passa a sensação de que a produção estava perdida sobre qual caminho seguir.

Além disso, o rosto animado do animal e sua expressão corporal (feita através de captura de movimento do ator Terry Notary) causa certa estranheza por destoá-lo dos cenários live-action. Se em ‘O Rei Leão’, por exemplo, seus personagens não possuíam praticamente nenhuma emoção expressa no olhar, aqui o cachorro transmite o que está sentindo e pensando de forma bem evidente, exatamente por não falar (felizmente!), essa transparência óbvia se torna necessária, principalmente para atingir o público infantil. Passado o desconforto visual pelo animal ser feito digitalmente, é fácil ser fisgado pela história, já que seu ritmo flui com naturalidade e a cada nova cena existe um gancho intrigante que leva a trama para frente. Fora isso, a grandiosidade dos cenários em CGI são um espetáculo a parte, assim como as ótimas sequências de ação, dirigidas com astúcia por Sanders, que tem um longo histórico na animação e sabe, como ninguém, desenvolver carisma em seus personagens sem apelar para clichês e estereótipos.

Já pelo fato da história de Buck ser extensa e abranger desde sua vida como animal doméstico, Harrison Ford (Star Wars: Ascensão Skywalker) é introduzido muito tarde na trama e seu personagem, apesar de ter um papel fundamental na jornada do cachorro, possui uma participação pequena e só desenvolvida já próxima ao desfecho. Mesmo com pouco tempo em tela, esbanja seu convencional carisma e emoção, já que o final subverte as expectativas e o lado mais emotivo fica por conta do humano e não do cachorro. Antes disso, o roteiro acaba tomando tempo demais na aventura de Buck com Perrault (Omar Sy) e, mesmo que sirva para moldar seu caráter e mostrar a relação de liderança que tem quando está junto com outros animais, acaba introduzindo personagens (tanto humanos quanto animais) que não possuem desfecho e são completamente esquecidos conforme a história muda o rumo. Por falar em desperdício, o vilão raso, vivido por Dan Stevens (Legion), poderia ser descartado.

Como filme voltada para a família, ‘O Chamado da Floresta’ é plenamente bem sucedido na aventura despretensiosa que se propõe e ainda encontra tempo para subverter clichês do gênero sem perder a essência emocional, tão fundamental para esse tipo de obra. Passado o desconforto inicial do animal ser feito digitalmente e a direção insistir em colocá-lo em um realista mundo live-action, a história é facilmente adorável, calorosa, divertida e recheada de ensinamentos.  Não se trata da tradicional história de um homem e seu cachorro, mas sim, de um cachorro livre, cuja jornada é em busca de se emancipar dos humanos para viver todo o seu potencial na natureza selvagem.

Fato interessante: O longa é o primeiro filme lançado no cinema com o novo nome e logotipo da antiga Fox, que agora se chama 20th Century Studios, após ser adquirida pela Disney. É o começo de uma nova Era.

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