Crítica | ‘Sonic’ é despretensioso e surpreendentemente bom

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Não se levar a sério tem sido uma importante virtude do cinema popular da atualidade. Filmes como ‘Dora e a Cidade Perdida’ e ‘Deadpool’, por exemplo, brincam com as possibilidades e ultrapassam limites que, se fossem feitos à risca, certamente teria um resultado negativo estrondoso por tamanha falta de veracidade, elemento esse fundamental para que o público possa embarcar na jornada insana que o projeto propõe. Se abraçar essa insanidade e rir de si mesmo já é uma tarefa difícil, imagina fazer isso quando se está adaptando, para o cinema, um dos games mais famosos de todos os tempos e precisa, com isso, driblar a tal “maldição” que as adaptações de jogos possuem após fracasso atrás de fracasso. Felizmente, ‘Sonic – O Filme’ (Sonic the Hedgehog) segue os passos do ótimo live-action ‘Pokémon: Detetive Pikachu’ e se apega a nostalgia para agradar crianças, que nunca nem mesmo ouviram falar do personagem, e também adultos, que cresceram jogando a franquia de games desenvolvidos pela Sega.

Essa preocupação em servir um menu divertido e interessante para todos os públicos certamente faz do longa, que é o primeiro live-action do personagem (algo curioso de se pensar, levando em consideração que Sonic existe na cultura pop desde 1991), uma aposta certeira na sua escolha de tom e na narrativa sagaz que possui, ao quebrar a quarta parede, conversar com o público e abraçar as estranhezas do mundo colorido e “alienígena” do personagem. Aliás, nessa história, o famoso ouriço azul é tratado realmente como um ser de outro planeta, que após uma caçada em sua terra natal, foge para o planeta Terra para se esconder e poder viver “normalmente”. Através dessa premissa um tanto quanto condizente para explicar sua origem, o roteiro é criativo, ao tirar o protagonista do seu mundo feito por animação 3D e colocá-lo no mundo frio, realista e sem graça que é a Terra em live-action.

Piadista, agitado e virtuoso, o Sonic (dublado por Ben Schwartz) acaba exalando carisma e personalidade, algo que todos temiam que o filme não tivesse após receber críticas severas sobre o visual do personagem quando os primeiros materiais de divulgação saíram na internet. A mudança no seu look, sem dúvida, faz a diferença agora, afinal, mesmo tendo um humano como aliado em sua jornada, ele é o protagonista de sua história e precisa segurar o filme nas costas, algo extremamente difícil para um ser feito totalmente em computação gráfica dentro de um filme onde apenas ele é o elemento irreal. Nem mesmo o vilão, Dr. Robotnik, é feito através de animação, ou seja, assim como o Pikachu de ‘Detetive Pikachu’, sua ternura e bondade auxiliam que seu visual consiga expressar sentimentos para conquistar o público. E, de fato, conquista sem muito esforço.

Ao seguir um rumo completamente contrário nesse tipo de obra, o aliado do ouriço não é uma criança ou adolescente como se poderia esperar, mas sim, um homem adulto, interpretado com muito vigor por James Marsden (Westworld), uma decisão interessante e ousada, já que os agrados para o público infantil fica por conta do Sonic (que é uma criança na trama!) e das inúmeras piadas presentes no roteiro. Por falar nisso, o humor é exagerado, mas combina com a proposta, algumas piadas funcionam mais que outras, porém, é Jim Carrey que rouba os holofotes ao viver o vilão Dr. Robotnik, sua atuação excêntrica é uma verdadeira viagem aos seus clássicos filmes, como ‘O Máscara’ e ‘Todo-Poderoso’. Não poderia ter funcionado melhor e perderia muito do charme se não fosse Carrey o antagonista esquisito e caricato. Até seu figurino está fiel aos jogos, especialmente no final, quando assume a persona maluca que estamos acostumados.

Ainda que eficiente no que se propõe, o roteiro obviamente não é um exemplo de inteligencia e profundidade e nem tenta ser, na verdade, sua premissa é bem simples e a jornada por ela também não tem grandes conflitos. O vilão fracassa sempre com seus planos mirabolantes e o Sonic precisa chegar até seu “MacGuffin”, que aqui são as famosas argolas douradas que funcionam como portais interdimensionais, para poder, assim, sair do Terra. Tendo isso estabelecido, o roteiro entrega boas sequências de ação, recheadas com humor e até mesmo viagens por diversos países em uma ótima sequência de perseguição que remete ao clima dos games.

Ah, e claro, a direção de Jeff Fowler (que já foi indicado ao Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação em 2005), é a engrenagem que coloca toda a energia contida no ouriço para funcionar, sem medo de soar brega ou de fazer homenagens descaradas a outros filmes, como em uma cena que lembra o clássico momento em câmera lenta do Mercúrio, em ‘X-Men: Dias de um Futuro Esquecido’. O diretor se mostra bem astuto em cenas de ação, apesar de se manter na zona de conforto e não arriscar tanto em outros momentos com uma carga dramática maior.

Surpreendentemente, ‘Sonic – O Filme’ é inventivo, despretensioso e não tem medo de se assumir ser um filme adaptado de um videogame. O roteiro, mesmo que simples, abraça com amor as referências, as estranhezas e as peculiaridades para fazer uma trama divertida, que agrada também os adultos, apesar de ser voltado para o público infantil. O visual do personagem está ótimo, assim como Jim Carrey, que consegue roubar os holofotes só para si. Apesar da demora para ser concebido e da baixa expectativa dos fãs, o live-action veio no tempo certo, já que o cinema parece estar perdendo o medo de arriscar em adaptações de jogos. A fórmula secreta para dar certo é não se levar tão a sério.

Importante: o filme possui DUAS cenas pós-créditos bem interessantes, que dão uma dica de como será a possível sequência.

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