Crítica | ‘O Limite da Traição’ é a primeira grande surpresa desagradável do ano na Netflix

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Ser um Original Netflix é também significado de não saber o que esperar. Faz algum tempo que a plataforma de streaming privilegia catálogo no lugar de qualidade e, errada ou não, é o que movimenta a produção dentro da sua ideologia de quanto mais, melhor. Porém, é essa falta de curadoria que entrega obras diversas e, em sua grande maioria, de qualidade duvidosa, como é o caso do longa ‘O Limite da Traição’ (A Fall from Grace), drama que flerta com suspense e tenta, desesperadamente, ser interessante ao replicar elementos já batidos dentro do gênero em uma abordagem tão superficial e aguada, que evidencia, pelo excesso de superficialidade, ser um filme gravado em apenas cinco dias.

Não que não haja uma boa iniciativa do roteiro em desenvolver um thriller em cima de temas que funcionam no gênero, como violência doméstica e relacionamento abusivo, ao contar a história da dócil Grace (Crystal Fox), que confessa ter assassinado seu marido em casa, porém, a investigação da defensora pública Jasmine Bryant (Bresha Webb) desenterra os reais motivos pelos quais Grace poderia ter cometido o tal crime. Conforme se aprofunda na busca pela verdade, segredos são revelados e a história segue para outros caminhos. Dessa premissa, que poderia facilmente ser um intenso suspense, nasce um emaranhado de erros na trama que é produzida, escrita, dirigida e atuada por Tyler Perry (Um Funeral em Família). Esse excesso de funções dadas a um cineasta que possui sérios problemas com desenvolvimento de narrativas, sem dúvida, afeta o resultado. Uma visão externa poderia ter dado ao filme um novo ar.

Não apenas o roteiro óbvio e mal trabalhado que desce ladeira abaixo conforme a trama se desenvolve, mas também os demais elementos como a montagem redundante, que mostra exatamente o que está sendo descrito pela narradora, como se o espectador não tivesse a capacidade de imaginar e/ou interpretar. Além disso, os cortes de Perry são secos e as cenas, no geral, são picotadas ao extremo, o que causa uma quebra de ritmo sem razão nenhuma e não ajuda na construção do suspense, elemento esse quase inexistente de tão previsível que se ternam as decisões dos personagens. Aliás, por sinal, são estereotipados, forçados e sem nuances em suas personalidades.

Do homem desprezível (que desde quando era “bonzinho” já tinha tudo para dar errado!), até uma protagonista ingênua e sem carisma para carregar a história (apesar da boa atuação de Crystal Fox). Porém, nada supera o despreparo e a falta de energia da defensora, vivida terrivelmente pela atriz Bresha Webb, que, de tanta decisão errada e mal pensada, parece estar vivendo em uma paródia de ‘How to Get Away with Murder’ dentro de um dos filmes de ‘Todo Mundo em Pânico’. A personagem mais prejudica a vida de sua cliente do que, de fato, ajuda. Além disso, o trabalho do roteiro em seu texto é tão fraco e insosso, que as únicas atitudes realmente cabíveis são meras coincidências do destino e não mérito de seu trabalho no caso.

As idas e vindas da história para contar o que realmente aconteceu na noite do assassinato é desgastante, demora para tomar fôlego e se perde em tanta subtrama sem nexo acontecendo paralelamente ao fato, como a do chefe da defensora, vivido adivinha por quem? Isso mesmo, Tyler Perry! Que surge em cena a cada mudança de ato, solta um textão para deixar a personagem aflita e desaparece, sem a menor necessidade de sua existência. E, quando não há mais ladeira para descer, eis que a trama descobre um alçapão no fundo do poço e entrega um desfecho horroroso, mirabolante, sem coerência e repleto de erros de continuidade. Ainda assim, se há um elemento que se salva dentro desse caos, é o fato de o elenco ser composto 95% de negros. Um viva à diversidade e a inclusão, uma pena que seja em uma obra tão péssima, mas o que conta positivamente é o espaço ocupado.

Com isso, ‘O Limite da Traição’ é, sem dúvida, o tipo de obra que encontra um alçapão no fundo do poço para descer ainda mais o nível de qualidade. Uma bagunça total, sem energia para ser o suspense que finge ser e com atuações terríveis. O roteiro, que mais parece uma paródia de ‘How to Get Away with Murder’, entrega um desfecho surreal de tão péssimo e incoerente. É inevitável que não seja a primeira grande surpresa desagradável do ano na Netflix.

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