Crítica | 1917 – Uma intensa aula de cinema em visceral épico de guerra

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Desde quando a câmera se emancipou do plano teatral e a montagem aperfeiçoou a forma de contar histórias, o cinema tem explorado cada vez mais maneiras de inovar tecnicamente. Seja através da observação a frente de seu tempo, de realizadores como D. W. Griffith e Orson Welles, ou mesmo com a experimentação única de Alfred Hitchcock, a câmera tem se mostrado ainda mais profunda que o olhar e, por conta disso, não é exagero nenhum dizer que o drama de guerra ‘1917’ é uma dessas obras únicas, que facilmente poderiam ser exploradas em escolas de cinema e que elevam o nível de qualidade do audiovisual por explorar com tamanha paixão a essência do que foi conquistado por realizadores destemidos e artistas revolucionários.

O longa, do diretor Sam Mendes, de ‘Beleza Americana’ e ‘007 – Operação Skyfall’, é primoroso e isso é tão raro nos dias de hoje. Não que o cinema tenha ficado raso com o tempo, pelo contrário, mas muitas obras estão mais preocupadas em desenvolver franquias do que explorar a forma como tal história é apresentada ao público, que um dia se chocou com a chegada ao trem em uma plataforma, nos primórdios do cinema. Ou seja, com tantas produções e opções no cardápio, é de se esperar que poucas consigam arrancar arrepios de originalidade. Não que ‘1917’ invente a roda, afinal, sua condução técnica é uma impecável homenagem ao estilo de muitos outros, em especial, ao de Hitchcock e seu ‘Festim Diabólico’, porém, é realizado com tanta harmonia que se torna impossível não imergir na trama.

Na premissa, simples e direta, dois jovens soldados britânicos são encarregados de uma missão aparentemente impossível: os dois precisam atravessar o território inimigo, lutando contra o tempo, para entregar uma mensagem que pode salvar seus colegas durante a Primeira Guerra Mundial. Dessa forma, basta embarcar no contexto da guerra e seus horrores, que a direção estonteante e intensa de Mendes nos leva ao absoluto mergulho de cabeça que, desde o primeiro take até o último, não desacelera e nem perde a energia, isso porquê o diretor optou por gravar as cenas em longos plano-sequências, que também caíram como uma luva na trama, afinal, o tempo é o elemento-chave e a sensação de que estamos caminhando no mesmo ritmo dos protagonistas é crucial para a emoção conquistada pelo realizador. Sem dúvida, o trabalho é magnífico.

Ainda sobre a técnica de gravação, há sim cortes disfarçados que, de fato, somem em meio a tanta agitação e correria, algo que auxilia ainda mais a sensação de que a trama é contínua e o tempo está correndo simultaneamente. Além disso, o roteiro inteligente e elaborado encontra espaço para explorar outras vertentes do gênero, como a ação desenfreada e momentos dignos de videogames em primeira pessoa. Mas também há interessantes pausas para reflexões sobre os traumas provocados pela guerra na vida dos jovens soldados e a ambição de homens que assumem o controle.

Muito dessa emoção vem da excelente atuação de George MacKay (Capitão Fantástico), que aceita a loucura do diretor e se entrega de corpo e alma ao papel. Fora isso, Dean-Charles Chapman (O Rei) divide o protagonismo inicial e conquista com carisma e doçura no olhar, sendo um destaque importante, mesmo com tantas participações especiais de astros como Colin Firth (Kingsman: Serviço Secreto), Benedict Cumberbatch (Doutor Estranho), Mark Strong (Shazam!) e Andrew Scott (Fleabag).

Similar ao trabalho de Christopher Nolan com ‘Dunkirk’, o desenho de som do filme explora a guerra de forma vívida para provocar suspense e tensão, assim como a trilha sonora, pulsante, cria uma relação belíssima entre as cenas mais intensas e a emoção dos personagens em meio ao caos, sabendo dosar também os essenciais momentos de silêncio. De certa forma, todas as áreas conversam entre si como em poucas obras, seja a direção de fotografia ou a de arte, as engrenagens giram em torno da conduta do diretor e dos elaborados (e até mesmo impressionantes!) planos-sequência.

Levando-se em consideração esses aspectos, ‘1917’ não é apenas um épico de guerra conduzido de forma enérgica pelo diretor Sam Mendes, muito mais que isso, é uma aula de como fazer cinema em sua essência. Ainda que os tão comentados plano-sequências sejam extraordinários e intensos, há também uma história cativante do começo ao fim e atuações envolventes que tornam a obra absolutamente fantástica, visceral e, sem dúvida, uma das melhores realizações cinematográficas dos últimos anos.

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