Crítica | ‘Jojo Rabbit’ consegue caminhar entre o humor irreverente e o pavor da guerra

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A beleza do cinema consiste exatamente em ter a liberdade criativa de poder explorar narrativas intocáveis e problemas sociais de forma a utilizar a arte como válvula de escape para tratar tabus. Entre todos os temas frágeis, sem dúvida, o Nazismo é o mais problemático de ser trabalhado sem que o filme seja uma obra pesada de drama ou uma de ação e guerra. Felizmente, a mente criativa e única de Taika Waititi (Thor: Ragnarok) mergulha no humor irreverente de ‘A Vida É Bela’ (1997) e nas obras de Charlie Chaplin, como ‘O Grande Ditador’ (1940), para extrair vida e beleza de um contexto doloroso, com ‘Jojo Rabbit’.

A trama audaciosa se passa na Alemanha durante o final da Segunda Guerra Mundial e segue a vida de Jojo (Roman Griffin Davis), um jovem nazista de 10 anos, que trata Adolf Hitler (Taika Waititi) como um amigo íntimo, em sua imaginação. Seu maior sonho é participar da Juventude Hitlerista, um grupo pró-nazista composto por outras pessoas que concordam com os seus ideais. Um dia, Jojo descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) está escondendo uma judia (Thomasin McKenzie) no sótão de casa. Depois de várias tentativas frustradas para expulsá-la, o jovem rebelde começa a desenvolver empatia pela nova hóspede. Mesmo que inicialmente haja um desconforto ao ver o assunto ser tratado com tanta galhofada, assim que a trama aprofunda em seus personagens percebemos que o roteiro e a direção estão bem mais conscientes da responsabilidade do que imaginamos. Quer um exemplo? A relação que a abertura do filme faz entre os Beatles e o fanatismo das alemãs por Hitler.

Dessa forma, de fato, é uma obra que necessita da nossa total confiança nos realizadores e, mais que isso, que possamos embarcar na proposta que oferecem. Passado o mal-estar inicial e estabelecido que a trama será irônica e ácida, a imersão é tamanha que afeta nossas emoções e abre espaço para rir da “presepada” que foi o Nazismo. O humor é sensacional e as piadas são diretas, mesmo que absurdas, mas eficientes em arrancar algumas gargalhadas inesperadas com a naturalidade que a direção de Waititi explora as adversidades e malvadezas do período de guerras. O timing cômico do elenco é perfeito, em especial, do jovem Roman Griffin Davis, uma revelação completa, que segura o filme com carisma e fofura sem precisar se esforçar muito. Fora isso, Waititi além de escrever e dirigir, evoca ainda mais o espírito de Chaplin e vive uma versão ridícula (no melhor dos sentidos!) e caricata de Hitler. É hilária sua atuação, sua expressão corporal e sua habilidade para lidar com a comédia. A melhor versão de Hitler que o cinema poderia ter.

O tom da obra certamente lembra os filmes coloridos e diferentes de Wes Anderson, em especial, ‘Moonrise Kingdom’. Tanto a relação das crianças, o tipo de humor e os figurinos e cenários vivos, agregam o ar de fantasia e inventividade que também dialoga bem com ‘Onde Vivem os Monstros’, principalmente, por ser uma trama cuja imaginação é a base para provocar empatia por seus personagens. Roteiro é rico em explorar os detalhes mais minuciosos da personalidade do protagonista e da relação de amor e dúvidas com sua mãe, vivida com maestria pela Scarlett Johansson (História de Um Casamento). Ambos pensam de formas diferentes sobre a vida, mas, acima de tudo, há o amor em seu mais perfeito estado. Aliás, por trás das risadas também há melancólicas e belas mensagens sobre tolerância, conhecimento e respeito. Ou seja, surte o efeito contrário: mesmo nos colocando na pele de um protagonista que se identifica com ideais nazistas, a mensagem é totalmente antinazista. Isso é tão genial e único, que merece atenção e aplausos.

Dessa forma, ‘Jojo Rabbit’ é uma deliciosa sátira antinazista que consegue caminhar entre o humor irreverente e o pavor da guerra sem perder o carisma e equilíbrio. O roteiro é divertido, imaginativo e Taika Waititi incorpora a alma ousada e destemida de Chaplin para viver um personagem polêmico, apesar da inteligência da trama de o ridicularizar sem perder a compostura. Das lágrimas ao riso, é um daqueles filmes que fica no coração e que prova, mais do que nunca, que o cinema é uma arte livre de censuras.

Este filme foi assistido na cobertura oficial do Festival do Rio 2019.

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