Crítica | Jardim dos Desejos – A beleza oculta das flores tóxicas

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Paul Schrader é uma alma atormentada, cuja mente fervilha com confissões profundamente conflitantes que ele precisa desesperadamente expressar. Seus últimos três filmes são repletos de verdades não ditas e passados desenterrados, explorando desejos ocultos, escolhas complexas e personagens que enfrentaram a crueldade do mundo de maneira brutal.

De certo modo, grande parte de sua obra é assim – incluindo o cultuado Taxi Driver, de Martin Scorsese, que ele roteirizou antes de estrear na direção. No entanto, a trilogia espiritual denominada “homens em seus quartos”, que começou com Fé Corrompida, de 2017, passando por O Contador de Cartas, de 2021, e culminando com o recém-lançado Jardim dos Desejos, que chega ao Brasil pela Pandora Filmes, evidencia um cineasta corajoso e audacioso no auge de sua carreira.

Este último filme é, sem dúvida, o mais bem-sucedido da trilogia, cada um focado em homens com passados conturbados que reavaliam seu presente e futuro. Schrader é mestre em revelar os segredos ocultos no coração dos homens e não teme explorar as feridas ao escrever a história de redenção de um supremacista branco, dentro de um romance profundamente desconfortável de se assistir. No entanto, algo brilha nessa controvérsia: a direção magistral do cineasta e o desempenho excepcional de seu elenco.

Acertos e erros de Jardim dos Desejos

Jardim dos Desejos segue Narvel Roth (Joel Edgerton), um horticultor meticuloso, cujas mãos habilidosas e devoção implacável fazem dele um verdadeiro mestre em seu ofício. Ele cuida dos exuberantes Jardins Gracewood, uma majestosa propriedade histórica pertencente à rica viúva Norma Haverhill (Sigourney Weaver). Tudo está em perfeita ordem na vida de Narvel até que Norma lhe confia a tarefa de treinar sua sobrinha-neta problemática, Maya (Quintessa Swindell).

Essa nova responsabilidade desestabiliza a vida meticulosamente organizada de Roth, trazendo à tona segredos e um passado sombrio que ameaçam desmoronar tudo o que ele construiu. O filme utiliza a jardinagem como uma metáfora poderosa para cura e redenção, oferecendo uma forma de terapia que substitui a violência pela delicadeza do cuidado com o frágil. O roteiro navega pela América contemporânea, abordando o impacto persistente do nazismo fora da Alemanha, criando uma narrativa profunda e provocativa.

Joel Edgerton (Matéria Escura) obviamente rouba a cena como o complexo e multifacetado protagonista, Narvel, um homem cujo passado ligado a grupos extremistas ainda o assombra, mesmo enquanto ele luta para superar seus conflitos internos. Como espectador, gostar de Narvel é um dilema, especialmente ao descobrir suas atrocidades passadas. No entanto, o filme realiza um notável exercício de empatia, conduzindo-nos a compreender alguém que escolheu um caminho tão cruel. Afinal, todos nós merecemos o perdão e o direito de contar nossa história, por mais sombrio que seja o cenário.

Schrader extrai desse enredo um romance desconfortável, marcado tanto pela diferença de idade quanto pela dinâmica perturbadora de uma jovem negra se envolvendo com um homem supremacista, sugerindo um fetiche sexual extremo. À medida que o passado do protagonista é revelado de forma chocante e ele narra sua busca por redenção, a história adquire uma profundidade sombria e delicada. Esse é um aspecto que Schrader merecia mais tempo para desenvolver, dando ao enredo um contorno ainda mais denso e impactante.

O que testemunhamos é um diretor audacioso que, com um roteiro meticuloso, disseca um monstro e tenta revelar seu lado mais amoroso e protetor. Em alguns momentos, ele consegue; em outros, parece apenas uma decisão equivocada em uma narrativa que nunca atinge uma reflexão realmente útil, muito por conta do desempenho médio de Quintessa Swindell. Schrader sabe que seguir um caminho moral e transformar tudo em uma fábula sobre perdão é complexo demais, por isso permite que seu herói também seja o vilão que sempre foi.

O filme parece enganosamente simples à primeira vista: a história de um homem violento e frio e relacionamento entre pessoas de origens opostas. No entanto, no cerne, trata-se das maneiras pelas quais o amor e o ódio se entrelaçam tão profundamente que diferenciá-los se torna quase impossível. Pessoas ruins também possuem sentimentos bons, e esse mergulho na psique humana é tão provocativo quanto fascinante de se explorar.

Veredito

Jardim dos Desejos não é um filme para paladares sensíveis e não exala os aromas mais agradáveis das flores, mas sua trama intrincada carrega uma tensão tão complexa que se torna um verdadeiro exercício de compaixão e compreensão. Paul Schrader, mais uma vez, mergulha nas narrativas atormentadas e comoventes, explorando os segredos mais sombrios do coração humano com uma perspicácia única, sem cair na armadilha de romantizar o mal.

É um filme que provoca, como toda a filmografia de Schrader, um cineasta e roteirista destemido que desafia as convenções e não teme a censura das redes sociais. Ele ousa explorar os desejos mais intensos e complexos, oferecendo um filme sedutor repleto de reviravoltas positivas e surpreendentes que certamente desafiarão as mentes mais conservadoras. Afinal, bons filmes têm o poder de provocar reflexões profundas e incômodas, não é mesmo?

NOTA: 8/10

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